quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

MUITO CERTO MESMO



Uma das coisas boas da vida é termos a certeza que depois da tempestade vem a bonança.
Todas as estórias que conhecemos estão cheias de sombra e luz, se olharmos para elas serenamente, verificamos isso.
O ano vai-se findar, outro se vai estrear, mas foi sempre assim desde que conhecemos o mundo.
O mundo anda sem rumo, pensamos, mas sabemos bem que outros antes de nós, muito antes, pensavam exactamente o mesmo, e isso alivia-nos, corrige-nos os modos e os dizeres.
Arejemos as palavras!
É preciso desamarrar as verdades.
A vida é composta por momentos e lugares fundidos uns nos outros.
Sabemos porque conhecemos e temos experiência, que muitos de nós aspiram, desde cedo, a controlar as suas vidas e mesmo a daqueles que se encontram à sua volta e sabemos que há gente que nega isso, mas também temos a certeza por constatação que a vida é indomável, não se deixa conter num corpo.
Sabemos que a nossa memória é curta, que o tempo germina na sala e no corredor e que se tomamos posse de mundo, no momento em que desentorpecemos um pé ao mesmo tempo que reclinamos a cabeça na música a seguir, temos que encarar os sons ao cair das teclas.
O futuro nunca deixa de existir.
Todas as nossa inquietações e frustrações se transformam e um dia se desvanecem, todo o estendal das nossas privações internas o vento leva-as.
Tudo se transforma, tudo passa, respiramos e descobrimos que sabemos rir e sabemos chorar e que mesmo as chuvas compridas dão lugar ao sol, o sol à lua e a lua de novo ao sol.
Como é bom contarmos com esta certeza!
Enveredemos pois por estas amenidades.
Saudemos o ano que chega!

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

SOMOS "TODOS" ARTISTAS



Nem tudo é negativo!
A fotografia veio abrir caminho a um novo olhar sobre a realidade.
Os japoneses já o sabiam, a fotografia é disciplina de escola para educar o olhar.
Antigamente, só os artistas julgavam o carácter das coisas, agora, a qualquer virar da esquina, vemos gente a clicar na digital (no outro dia, vi um operário da construção civil, à hora de almoço no Porto, a fotografar pombos).
Há muito tempo eram apenas os pintores, os únicos que, através da sua arte, tornavam os seres imortais, hoje qualquer um de nós, tem esse "dom" através duma máquina fotográfica.
Há 3/4/5 anos a esta parte, no nosso país, assistimos a um boom de fotógrafos amadores.
Todos querem deixar obra. Muitos dão-se a conhecer no site Olhares, que existe para o efeito.
Buscamos um significado para as nossas fotografias e as dos outros. Inventamos ideias.
Somos imortais através delas.
Às vezes a fotografia serve de espada, fere, desfaz a alma. Outras vezes, leva-nos ao nada, de tanto se tentar superar, não existe exactamente.

Há uma espécie de "second life", vive-se uma vida através da fotografia que é a de um olhar sem temor, um olhar para dizer aos outros, talhando o que na alma mora.
Temos ao nossso alcance muitas maravilhas que apenas aguardam para serem reveladas.
Cada um de nós pode recordar histórias e visões de infância ou não, com fotografias envoltas em neblina; podemos olhar através de portões de marfim, uma floresta densa e encantada apenas com o clic a uma árvore.

Deixamos de ser sábios e passamos a ser felizes nesses momentos.
Algo mudou e o que mudou aqui vai ao encontro da nossa felicidade.
A utilização da fotografia tornou-se universal ou quase.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

PASSEIO ATÉ AOS NATAIS DA MINHA VIDA



Natais da minha infância, Natais de avós, Natais de magia, com um triciclo a escorregar pela chaminé e eu e o meu irmão, a vermos as pernas ao Pai Natal, mais eu do que ele.
Apanhávamos musgo onde o houvesse, para acrescentar ao presépio e fazíamos uns montinhos de papel e cartucho que depois a nossa mãe ajudava a pintar e a colocar.
A mãe e nós fazíamos árvore de Natal cheia de velinhas e neve e todos colaborávamos no arranjo da mesa, pinhas e hastes de pinheiro que se apanhavam previamente e pintavam com purpurina.
O pinheiro era arrancado quase sempre, porque os chineses ainda não eram grandes comerciantes no nosso país e a nós não nos assolava a consciência ecológica e ambiental. O mundo não precisava de mais.
Neste momento um cheiro de cedro , abre-me os pulmões.

No dia de Natal íamos ao circo ou ao cinema com roupa e sapatos novos a olhar para as peças novas que as outras crianças carregavam também.

Colocávamos o sapatinho na chaminé e só ao outro dia levantávamos as prendas. Não era um mar de prendas, mas estavam carregadas de alegria e doçuras, além de serem tantas quantas as necessárias para as apreciarmos.
Eram sítios de sonho!
As ruas estavam cheias de pessoas, faziam lembrar que estávamos no S. João.
A mãe e avó faziam os doces, o avô trazia o queijo da serra e o pai o bolo rei com brinde e fava e, dizíamos sempre que a quem saísse a fava no ano seguinte pagava o bolo, mas parece-me que foi sempre o meu pai a trazê-lo.
Escrevíamos a cartinha ao Menino Jesus com letra muito bem feitinha, senão tínhamos que repetir e, púnhamos no correio, mesmo sem selo, mas sabíamos que era época de balanço, se não nos tívessemos portado bem, não teríamos direito a prendas, porque o Menino Jesus só gostava de meninos bem comportados dizia a mãe. Então, uns dias antes do Natal chegar, esmerávamo-nos em fazer tudo o que os adultos queriam, caso contrário o Menino poderia olfactar-nos.
Eram dias de grande alegria mas, ao mesmo tempo, de grande ansiedade. Era uma espécie de felicidade dramática.
"Tens de abdicar de alguns brinquedos para dares aos meninos pobres, diziam-me, pois nessa altura não se conhecia a palavra desfavorecidos.
Era num chã na escola que entegavamos os saquinhos aos outros meninos.
Nunca soube se gostava disso ou não, mas lembro-me de mexer com a colher na chávena como quem no açúcar encontra motivo para se distrair.
Era a época em que a nossa memória servia de máquina fotográfica.
Não pretendo ser Brechtiana, embora muito dele goste, mas também poderia apresentar um desfile de quadros de Natal como ele fez na peça sobre a vida de Galileu em quinze quadros.
Era a época em que só havia uma espécie de pressa, justamente nestas alturas, de contrário, havia sempre tempo para tudo durante os outros dias do ano.

Por estes dias chegava a compreensão de compreender. Todos nós éramos mais humildes e pensávamos em enriquecer os outros nesta altura, então o meu pai, fazia-o literalmente. Abria as portas do guarda-vestidos e dava roupa dele a mendigos que trazia para casa nesta altura.

Depois vieram os Natais da minha filha e sobrinhos.
A minha mãe deixou de fazer Natais e nós tratávamos de reproduzir os ensinamentos e a tradição com os mais novos.
Que sensação boa ao vê-los felizes, a magia tinha voltado e nós passamos a pensar com os olhos.
Tínhamos sempre pinhões e jogávamos ao rapa, tira e põe e a outros joguinhos enquanto esparávamos pelo grande momento, praticávamos família.
Voltavam os comboios, agora eléctricos, os matraquilhos, as tábuas de passar a ferro, os telefones e xilofones, guitarras e bonecas, carrinhos e ambulâncias, patins e bicicletas.
E todos nós embárcávamos em jumentos e éramos o próprio presépio.

Agora, preciso de beijos, muitos beijos, dados no patamar dos sentimentos.

No meu reino continuo a ser uma criança que procura a magia, que procura os anjinhos no Natal,mas às vezes, muitas vezes e cada vez mais perto, quanto mais procuro os anjos mais vejo o diabo.
Hoje, prefiro a mentira. Quero continuar a sentir um formigueiro no meu corpo que me leve à eternidade, mil vezes esse àquele que me vem doutras paragens mais terrestres.

Quero que seja necessário voltar a cheirar as fantasias de Natal, de galgar florestas de espaço e tempo, quero que o vento mude de direcção e os pássaros acordem.

Gostava que o sol nascesse de noite, que os passados reincidissem, mas também quero que aconteça aquilo que ainda não aconteceu. Quero construir novos Natais, Natais mais seguros, sem conchas, sem reflexão, apenas de acção.

Sinto-me para além dos porquês, não quero que a minha arte seja a arte da memória.
Não quero que a tristeza me entupa porque sei que a melancolia apenas enche os intervalos entre um prazer e outro.

Não quero pôr chapéus nos sentimentos, quero isso sim, concentrar-me em outras melodias.

Amanhã é dia 26.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A Srª Dª Isabel dos Santos ou a vingança de angolanos


Esta senhora que por acaso é filha do Sr. Eduardo dos Santos, que por acaso é presidente de Angola anda às compras no nosso país e não é só na época natalícia que vem fazer umas compritas, gosta de vir cá aos shoppings. Acha que se compra muito bem aqui, que está tudo em saldo, a bom preço e que não há guerras a não ser a dos bastidores.Quanto à lingua também não tem problemas. Já vai em 800 milhões de compritas, coisa pouca, claro está!
O facto do país ter sido antiga potência colonial não é relevante, a não ser para se conhecer melhor o pessoal.
Só a mim me faz espécie, a senhora ser filha dum senhor que se agarrou ao poder de tal ordem que nunca mais sai da cadeira de braços, que se dizia comunista (agora não sei) e que até manda tanto que não tem tempo para fazer as tais compritas, manda a filha.
O povo esse, coitado, está na penúria a receber ajudas do exterior, mas o Senhor Presidente, homem inteligente com uma filha também muito inteligente, está bem na vida. Está rico, muito rico!
Claro que é um chefe de Estado africano. Não nos podemos esquecer disso e no que eles se tornam quando chegam ao poder (alguns deles, muitos), uns ditadores, os exploradores número UM do povo.

Vem tudo às compras a Portugal. Vêm os brasileiros (também antiga colónia de Portugal). Só não vêm ainda os timorenses porque ainda não conseguiram manter-se no poder tempo suficiente para sacar dinheiro ao povo e poderem investir em Portugal, além de que lhes fica um bocadito longe, a bem dizer...
O que mais me encanita o juízo é o facto dos nossos governantes ficarem muito contentes com estes investimentos do estrangeiro e aplaudirem de pé, mais, até de joelhos, que para eles é de pé, dado o problema grande que têm na espinha.
Ah não sabiam?! Os governantes estes, os anteriores e os que estão para vir, têm um grande problema na coluna. Herdaram dos avoengos. Não se conseguem pôr de pé. É um problema tão grave que por não ser assumido tem vindo a piorar, agora até de joelhos andam. Têm recusado sistematicamente tratamento e por isso estão neste estado, mas se falarmos com eles, acham que não estão doentes que é apenas o seu jeito.

O meu país está em saldo. Venham, venham todos às compras, não se vão arrepender! O povo o que precisa é de vender.
Obrigadinho desde já e um Bom Natal.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

FUI EDUCADA PARA SER BOAZINHA





A acreditar. A dar a outra face. "Se te baterem não batas também", dizia a minha mãe. "Sê boa menina". "Se te insultarem, não respondas", dizia o meu pai. Na nossa terra o padre Américo que considerava que não havia rapazes maus, foi a grande refência educativa, à distância, dos lares do país-norte. Toda a gente acreditava que as pessoas, eram boas, a sociedade é que as corrompia. Jean-Jacques Rousseau já tinha dito o mesmo. Mas afinal quem faz a sociedade? Perguntei eu, nos bancos da Faculdade. Descobri que quem faz a sociedade são os homens e as mulheres e fui verificando que também há homens maus e mulheres más. Reparei que havia pessoas que se assemelhavam a tojais, cheias de espinhos e repulsivas ao toque, mas que enfeitavam a sociedade e de longe até eram bonitas. Claro que não botei os ensinamentos dos meus pais e avós todos a perder. Ficou sempre aquela delícia de às vezes poder pensar assim, como forma arejada, limpa, de sair mil e uma vezes dos destroços das minhas esperanças perdidas. Mais vale enganarmo-nos de vez em quando do que ter sempre razão. Não, não é possuir tanta candura que dê para vestir completamente o mundo, mas apenas emprestar-lhe uma roupinhas de quando em vez, para assim podermos sair juntos de braço dado. Hoje sei que não quero ter o pensamento sempre esclarecido. Desejo muitas vezes acreditar no Pai Natal. É bom acreditar no Pai Natal e declaro aqui, já que é época de Natal, QUE NÃO TENHO NADA CONTRA QUEM NELE ACREDITA.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

KITSCH OU O PAIS DO DÓ (nota mais baixa da escala musical)


2ª VERSÃO DA MESMA CANTIGA




Desembrulhemo-nos!
Quando olhamos muito bem, vemos mesmo o que queremos ver.

Vamos ver Portugal e os portugueses? Viemos de longe para ver e ouvir, perceber.

Estamos a ver por trás das auto-estradas, avenidas e alamedas, qualquer coisa de concreto.
Vemos guerras de nervos.
Vemos pancrácios aboletados.
Vemos gente com medo, com um medo terrível de se cansar.
Vemos pulhas, muitos pulhas!
Vemos jumentos disfarçados.
Vemos e ouvimos, gente a dizer vi,vi,vi e ouvi,ouvi,ouvi, sempre na subcave da sensibilidade irritada sem ir ao âmago dos problemas.
Vemos gente que não lê e por isso tem muito tempo para maldades porque enquanto se lê não há tempo para isso.
Vemos os salários tão baixos que não pode haver especialistas.
Vemos gente que não sente nada, que está alheia, que nasce alheia, que passa alheia pela vida.
Vemos muito gente a rinchar assanhada.
Vemos gente que só enche o bandulho e de tacha arreganhada, construindo a fama com grandes e pequenos cambalachos.
Vemos gente com capacidades premonitoras fantásticas que lhes permite andar sempre a vaticinar os desastres, o que lhes permite manter-se sempre na margem.
Vemos gente que cultiva a arte de não saber.
Vemos janelas cada vez mais fechadas, ninguém olha ou se põe à janela, isso é coisa do passado. Agora olham para a televisão, não olham para o mundo que passa.
Vemos gente sempre em festas e romarias e aí sim, a reagir.
Vemos gente, muita, alardeando a sua singularidade como fugindo de si própria para o infinito, como as crianças.
Vemos que as pessoas consideram que o tempo está morto, senão nunca achariam que o presente era absoluto.
Vemos um país a andar muito devagar, às vezes até parece que anda para trás, que se dedica a escutar as conversas dos outros.

E lá continua a música da realidade pimba como fundo. Os sons caem como que riscando a cor cinzenta escura dos dias de Portugal e das suas gentes.

E cada vez mais vemos nas baixas das cidades, homens sanduiches com cartazes no peito e nas costas "COMPRA-SE OURO USADO".

"Portugal doentinho sabes que a doença pode ser também uma das muitas portas para se passar para o outro lado. Sabes bem que se pode ficar absolutamente separado da vida dos outros, não sabes?"

Quem vê tudo isto?
Nós outros, pois então!
São sempre os mesmos a ver, claro está! E quem vê lá tem tempo para fazer outra coisa, não é ó Portugal?

Ai Portugal, Portugal que abrigas tanta gente Kitsch!
Tão amoroso que tu és! Tem cuidado que até podes ser levado a copiar tais exemplos.
Cuida de ti, meu querido!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A PALAVRA DE ORDEM É RESISTIR



Como as ervas do campo temos que aprender a resistir.
Hoje é 2ª feira, dia de "PRÓS E CONTRAS" no canal 1, em que toda a gente que lá vai falar, sob a batuta duma jornalista autoritária e provinciana, deixa no ar desperdícios de palavras, muitas letras sem qualquer préstimo.
Lá vêm mais homens a grunhir. É gente que não está habituada a escutar o silêncio.
Chamar-lhe-ia línguas pro-activas, como agora se costuma chamar às atitudes.
Vivemos épocas de profunda algazarra, por isso é preciso resistir. É urgente e imperioso!
Há multidões que desejam mostrar a sua própria competência e confundir a ignorância dos outros, mas se acertam no alvo é sempre por acaso.
Ando aqui no mundo há mais de meio século, mas tudo me escapa, não se compreende nada.
Torna-se muito difícil encontrar o ângulo justo para ver as coisas, mas mesmo assim todos nós ou quase todos, vemos que os banqueiros estão nus, os políticos vão nus. Os gestores públicos vão nus, os capitalistas vão NUS e os "opinion makers" nus estão.
Têm todos sempre argumentos para criticar.

Só podemos avançar se pararmos, se reflectirmos para verdadeiramente mudar. A palavra de ordem é RESISTIR. Resistir ao que se vê, ao que se ouve e meditar sobre a finalidade das coisas.
Não nos desviemos dos sentidos.

SURDEMO-NOS.
Resistamos às batalhas dos BORRA-BOTAS.


sábado, 12 de dezembro de 2009

PORQUE AINDA ME ESPANTO?





Quero aperfeiçoar-me na fantasia. Flutuar nos meus sonhos.

Vejo desgraçados que vivem aos gritos, agora também na A.R., com o Primeiro Ministro a dar o mote e as(os) domésticas/domésticos vários, a segui-lo. E logo eu não paro de resmungar, admiradíssima, como é que naquele local se comportam assim?
Não quero tomar conhecimento de desgraças contínuas deste meu país queixoso, atascado pelo "destino" onde parece que tudo se está a passar às avessas.
Não quero atender os achaques.
Não quero que troveje no meu cérebro.
Não quero ser influenciada pelo meu mau humor.

Não vejo a tremular uma luz ao longe a não ser as do Natal.
Sempre que penso que na matéria de infortúnios tocaram no fundo, aparece mais 1/2/3 notícias de nova escalada do mesmo ou pior.

Quero ficar na lua. Não acordar por completo.

Às vezes, faz-se silêncio. É evidente que já é memória o tempo em que eu voava para os assuntos naquelas intermináveis reuniões de "serviço".
Claro que não posso sorrir com todos os dentes neste meu silêncio, porque os não tenho.

Nunca tenho a certeza.
Aprecio quem consegue manter a calma, o bom humor.

Nunca fiz projectos para nesta altura não ter uma longa série deles por cumprir.
Não sou de executar projectos, gosto mais de vogar no mar ou nas nuvens do sonho.

Envelheço muito, espanto-me também por isso.

Sinto-me razoavelmente honesta, até poder-se-ia dizer mesmo honesta.
Há dias em que estou de cérebro estufado, outros há em que faço o que me dá na real gana.
Nunca fui de me submeter humildemente às regras, mas estou na segunda metade da vida ou talvez terça parte (quem sabe?) e esta faz os seus estragos.
Às vezes como até ficar corada e ouço lá fora o canto maldisposto dum pássaro,outras vezes espreito as minhas contradições.

Consideram-me de gostos impermanentes e tenho dificuldade em datar os acontecimentos da minha vida, parece que se passaram há séculos umas vezes, ontem outras tantas.
...Mas há dias que correm magoados e algumas palavras fáceis e pensamentos dasatados impõem-se.

Já não me encontro para filistrias efectivamente, mas continuo a espantar-me, no que respeita à degeneração da sociedade.
É difícil distinguir hoje o paladar do peixe e da carne, mas pelos vistos, todos ou quase todos ainda acreditam em milagres, isso espanta-me.

Continuamos o povo que éramos há 8/9 séculos, os mesmos pedintes, os mesmos a dar-nos ares, os mesmos a não pensar, OS MESMOS. Quase nada mudou na substância. E isso espanta-me.
E como dizia Sá de Miranda "m'espanto às vezes, outras m´avergonho"...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

SEI TÃO POUCO DE TI


Sei tão pouco de ti que mais parece que o teu enigma sou eu.
Se não li isto em algum lado é como se tivesse lido e daí ter decidido naquele dia conhecer-te melhor.
Abandonar-me de mim e partir em passeio para ti.
Dava passinhos pequeninos, tentando perceber o caminho que calcorreava à medida que prosseguia. O Eu ía ficando lá atrás, acabando por parecer um conjunto de pontos pequeninos rosados.
A primeira diferença que senti à medida que me distanciava de mim, foi a ausência de ruído. Não havia memórias, buzinas, músicas de fundo.
Havia falta de hábito, isso sim. Ouvia outro canto, outra melodia.
Lembrei-me que já tinha ouvido essa melodia em outros dias mas não a escutava.Estava temporariamente surda.

Continuava na caminhada e reflectia nos sons que ouvira e pensava que as palavras, por vezes, se podem assemelhar a cantos de aves ou ao sopro da brisa nas árvores.
Há um efeito diferente nas palavras se as conseguimos escutar.
Lembrei-me de outras palavras, de outros sons e de outros lugares e sentia que era como se as escutasse pela 1ª vez.
A sensação era de leveza. Verifiquei que os aromas à minha volta eram conhecidos e inspiradores.
Olhei em volta e deparei com uma pedra vestida de tons amarelos e concluí que neste passeio havia sentidos nos sentidos como estes se tivessem mantido ocultos até aí.

O imprevisto, o imprevisível pode chegar. Há sempre um esperança, que embora não seja científica faz com que a certeza vacile.

Mas o primado está na certeza e essa revela-nos que nunca vemos os outros tal e qual eles são, mas no que parecem ser e eles vêem-nos no que julgam que somos mas não somos, porque aquilo que somos é o que julgamos que somos mas não somos.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER




SUSTENTABILIDADE- a palavra muitas vezes dita por políticos, economistas, comentadores e outras espécies que pululam por aí.
O que é sustentável/insustentável para nós, OS OUTROS?
Que interrogações colocamos quando a ouvimos?
Falo por mim e por aquilo que ouço aqui e ali.

É sustentável haver tanta gente a precisar de receber das diversas ONG, alimentos e outros artigos, para poder sobreviver?

É sustentável haver milhares de jovens desempregados, grande parte licenciados?

É sustentável haver cada vez mais horas, crianças e adolescentes, armazenados uns e à sua sorte outros, por cada vez mais pais e mães trabalharem mais horas, mesmo sem maior remuneração?

É sustentável deputados e políticos que deveriam estar ao nosso serviço, ao serviço do país, servirem-se a eles próprios e aos amigos, esquecendo-se completamente da função que desempenham e para a qual foram eleitos?

É sustentável magistrados e médicos serem desviados, embora de formas diferentes, para exercerem outros cargos e funções que não para os quais foram formados e todos nós pagamos, para além de serem mais necessários nos lugares que deixaram suspensos?
É insustentável clínicas privadas, que mais parecem fábricas de doença, empregarem médicos formados pelo sistema público. As empresas privadas, chamadas clínicas, não gastam um euro a formar os seus médicos, é só lucro!
É insustentável os tribunais terem falta de magistrados e estes serem convidados para lugares políticos e para outras carreiras.

É sustentável a hipocrisia reinante?

É sustentável o 4º poder, assim chamado, a comunicação social, por vezes e cada vez mais, passar a 1º poder?

É sustentável esta democracia ter características de fascismo?
É insustentável ter ministros mentirosos, oposições arruaceiras sem sentido de responsabilidade, presidentes medíocres, administradores corruptos, bancos e empresas públicas com lucros obscenos?


ETC. ETC. ETC.

NÃO FALEM DE SUSTENTABILIDADE P.F.

A ÚNICA COISA EM QUE PODEM FALAR ÀCERCA DO TEMA É DA "A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER" DO MILAN KUNDERA, de 1984.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

NÃO É FÁCIL





Ser-se artista é fácil. Ter o "dom" mais fácil ainda.
É estar acima, vogar nos espaços siderais. É receber os eflúvios da lua.
Não se ser artista é muito mais difícil.
Os artistas suspiram nas pausas da arte. Os outros, os não artistas suspiram na realidade envolvente.
Digamos que um não artista não toca os raios de sol da intimidade. Aquela intimidade secreta e invisível onde universos inteiros se renovam sempre.
Nós, os Não Artistas, os outros, os que ficam à porta, sofrem as explosões, tocam-nas, mas não as conseguem transformar em formas; em cores azuis, verdes, laranjas ou vermelhos; em frases/pensamento, poesia.
É muito difícil ser-se um Não Artista, embora ainda haja a música.
A música ampara-nos, faz-nos sonhar acordados enquanto assistimos, quase manietados, à passagem dos esqueletos vários da democracia, de desejos humildes que tínhamos nas grandes avenidas de esperanças e lutas várias.

Como conseguimos sobreviver a tanta desilusão, a tanta miséria, a tanto crime? Como?
Como? Não sendo artista?
Os artistas, no meio das tempestades, construem momentos de paz, percorrem a luz, criam armistícios com a violência e a angústia. Voam mais alto, pairam nas nuvens da ternura da arte.
E nós, os outros?
Sobrevivemos com o intolerável. Choramos lágrimas nossas e dos restantes pelas mesquinhezas humanas.
Estou em crer, que quase é preciso ser ARTISTA para se o não ser.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

PENSANDO EM VINICIUS





A minha pátria é inquietação,
Desolação.
Minha pátria senhoreca
Que passou de sem sapatos
a ter carros e a ingerir Ben-U-Rons.

Tens albergado gente má
Expulsado gente boa.
Sinto-me no exílio pátria minha.
Porque a minha pátria é como se não fosse.

Foi assaltada, vilipendiada, violada
Apareceu em coma ao outro dia.

Dá vontade de chorar só de olhar
Vontade de a mudar toda.
Está tão mal vestida e calçada
A minha pátria que dá dó.

Perguntaram-me no outro dia
Quem é a minha pátria?
Respondi: Não sei!
Às vezes sinto grande tristeza
Por ver a minha pátria tão doente.

Minha pátria povoada de simples
Mas de insaciáveis apetites
Cheia de ilusões.
É ela
É a minha pátria!