domingo, 8 de abril de 2012

REFLEXÕES PASCAIS


Hoje é domingo de Páscoa. A maioria de nós não sabe o que é isso na sua verdadeira acepção da palavra. Comemora-se uma festa religiosa em família, sem se ser religioso ou se vai passear para algum lado, mas poucos são os que vivem religiosamente e, mesmo esses são pagãos no seu culto.
Evidentemente, que no caso português é muito simples "entender" este feriado e esta festa, dada a enorme influência que a Igreja Católica teve e ainda tem no Estado, aliás até há bem pouco tempo (38 anos), o Estado e a Igreja eram a mesma coisa.
Estou aqui rodeada de foguetes por todo o lado. As freguesias competem entre si e cada uma quer deitar mais foguetes que a outra.
Já não se vêem carros de emigrantes como se viam antes, mas ainda se vêem as universais atitudes pascais num mundo que se diz cristão. Procissões, casas com limpeza anual feita para receber o compasso, amêndoas e carneiros e cabritos sacrificados.
Há também nesta festa uma espécie de ritual de passagem, o Inverno despede-se para dar a vez à Primavera. As árvores vestem-se de novo, algumas vestem-se de flor; os pássaros cantam. É a festa da Primavera, sem dúvida.
Há beleza no ar. As famílias reúnem-se de novo, ao fim de 4 meses volvidos, após a última festa, a do Natal.
Aqui, na aldeia, não esperam tanto tempo. Reúnem-se todos os fins de semana, porque ainda não se perdeu o tal espírito de família.
E de novo vêm ao de cima as cargas afectivas e as pessoas julgam comungar do universal.
Esquecemo-nos, por momentos do estado a que chegou o Estado e da fileira da direita liberal verdadeiramente segura de que a hora chegou.
E eis que surge a Páscoa, como variante da realidade. Uma espécie de hiato, de intervalo no ano.
Este governo porém resolveu antecipar num dia, o trabalho. No campo, é conhecido que na 2ª feira a seguir à Páscoa, continua a ser Páscoa, este ano, os patrões aproveitaram o clima dos carneiros, cabritos e cabrões do governo, para mandarem os seus empregados trabalharem.
Recordo Raul Brandão quando dizia que nós só temos um sistema bem organizado - o da destruição.
Há muito que os governantes eleitos por minorias promovidas a maiorias, amantes do fado e do destino perfilham o conceito de Schopenhauer, de que a felicidade é negativa e só a dor é positiva, mas falam com doçura e não se negam a servir a sopa dos pobres com anúncio na TV, pobres que eles empobreceram, para fazerem o bem e serem humildes.
Estamos a viver tempos ominosos de guerra, mas recheados de amêndoas doces e almoço domingueiro em casas já menos remediadas.
Eu vivo a morte duma felicidade, que é uma espécie de tempo de tragicomédia com 2/3 de dor e um terço de farça, pelo menos.
Não consigo ressuscitar os meus mortos, nem por um dia, a não ser na minha memória, como ainda não consegui fossilizar no meu pequeno universo e mover-me nele com segurança e habilidade.
Confesso haver em mim uma inadaptação para tal, mas também em verdade vos digo, que por vezes gostava de pertencer àquele grupo que lhes adormece a vontade e a decisão e até de boa moral sofrem.
A minha alma é eufórica, expansiva, inteira e projecta-se para fora na maioria das vezes.
Viveria muito bem "se deixasse andar... e ver correr o marfim". Ocorrem-me desejos de ignorância em que não pudesse organizar para meu uso diário, uma anatomia e fisiologia de intuição complicadas, seria apenas uma matrona avelhentada.
Como era bom não me lembrar dos naufrágios desta vida e dos tempos de guerra em que vivemos.
Como era bom não me meter com Deus e com o Diabo, mas as minhas noções de moral, de ética (como diz a outra para ser mais fino e mais "compreensível", julgando que ética é não dizer palavrões) não são elásticas, aí sou conservadora.
Definitivamente, não fui educada cinematograficamente, toda forrada de emoções à superfície e sem me dar ao luxo de sentimentos profundos que durem mais que uma sessão de 2h de um filme de amor movimentado.

2 comentários:

Anónimo disse...

excelente Post! Clap clap clap! imf

lua vagabunda disse...

Como de costume, muito bem escrito.
Identifico-me bastante com algumas coisas que escreves.
Aqui, adorei a referência a Raul Brandão. Sabes que escreveu o livro que gostava que ficasse como "meu testamento"? "A morte do palhaço e o mistério da árvore": tantas vezes o li e ofereci que acabei por ficar sem ele...

Beijo e parabéns.