domingo, 8 de maio de 2011

A NATUREZA e as naturezas



Cada vez mais a natureza é só para alguns, tornou-se apanágio de elites, de gente de bom gosto.
Os outros, a maioria, famílias inteiras vão para o Centro Comercial.
Os jardins costumam estar vazios, quando não ocupados por prostitutas ou mendigos.
Quem frequenta parques ou outros espaços verdes sabe que os encontra quase vazios e a taxa de ocupação é assinalada por aqueles que praticam desporto ou fazem manutenção.
É raro um jovem ou um menos jovem saber o nome duma árvore, duma flor, mesmo daquela que se encontra à porta de sua casa.
Os pais não se preocupam a ensinar isso aos seus filhos porque não acham importante nem sabem também. Acham até que se trata duma bizarria.
Nas tardes de domingo, principalmente, os centros comerciais enchem-se, as pessoas atropelam-se. Gente que foge da luz natural que procura montras como perfume para os olhos e para a alma. Não compram mas sentem-se ricas, fazem parte do grupo, não se desagregam, várias classes se misturam num pequeno espaço, debaixo do mesmo tecto, fundamentalmente debaixo do mesmo tecto. A chave de casa é a mesma, todos entram para o mesmo espaço de consumo, mesmo que alguns só o usufruam com o olhar.
No meio, mesmo no meio do shopping, num qualquer andar, lá está o mapa dos naufrágios, a desenhar os pequeníssimos territórios das marcas que o capitalismo nacional e internacional impõe a todas as raças e credos.
Tudo muito cenográfico, num exercício de prestidigitação e a música por vezes a incitar ao ênfase. As pessoas olham deslumbradas e olham de novo. Ninguém quer deixar de estar, de pertencer.
Também por isto pensam da mesma forma, vêem da mesma forma. Democratizou-se o consumo, toda a gente veste chinês, última moda e barato.
A propagação da estupidez quase não tem efeitos colaterais.
Vê-se pouquíssima gente a ler, a usufruir de espaços ao ar livre, a deixar que as suas crianças se sujem na terra.
Criam-se pessoas assépticas, anódinas, incolores.
Poucas são as que são cúmplices do vento, da chuva, dos perfumes da natureza porque regressam invariavelmente às mesmas coisas, aos centros comerciais como se não existissem ruas que se encontram vazias, jardins, parques cá fora.
Alguns mesmo sentem-se seres abandonados e esquisitos por passearem nestes espaços.
Para quando o regresso às coisas simples da vida e que nos dão prazer?
E porque quase tudo tem a ver com quase tudo e está interligado, estou em crer que muitas pessoas pedem encarecidamente a ajuda do FMI, porque não lhes parece que estejam em condições de garantir os seus compromissos financeiros no jantar de aniversário de sábado da Beta no restaurante do bairro, mesmo que o caderno de encargos os impeça de no domingo ir ao futebol.

4 comentários:

SEK disse...

Não há muitos anos, mas no século passado, evidentemente, era habitual os passeios na avenida, na marginal, no jardim. Era o gosto pela natureza ou apenas o facto de não existirem melhores locais para ver, encontrar, "... fazem parte do grupo, não se desagregam, várias classes se misturam num pequeno espaço, ..."?
Penitencio-me. Tirando os plátanos de poucas árvores sei os nomes, e troco os amores perfeitos pelas violetas, mas hei-de saber mais.
Ah, sê bem vinda, bem reaparecida!

Jose Sepulveda disse...

Estou a adivinhar uma panóplia de textos saborosos onde poderei 'deitar-me em verdes pastos', repousar em 'águas tranquilas', em que não 'temerei mal algum', saboreando as palavras lindas que aqui nos deixa.

Jose Sepulveda disse...

Estou a adivinhar uma panóplia de textos saborosos onde poderei 'deitar-me em verdes pastos', repousar em 'águas tranquilas', em que não 'temerei mal algum', saboreando as palavras lindas que aqui nos deixa.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

José Sepúlveda nunca mais cá veio, já sei: os textos deixaram de ser saborosos :)