domingo, 23 de fevereiro de 2020

OS SINOS QUE TOCAM

Fervem névoas em mim.
Lamentos habitam-me.
Cheguei a um lugar que não é o meu. Do meu não tenho notícias.
Atravessam-me inexistências. A vida tem mantido uma relação pouco colaboradora comigo.
O olhar que vai ao fundo das coisas provoca mal estar. Sair da superfície, ir para além da camada mais visível é doloroso e por isso muitos o evitam.
A desgraça dos outros entra em mim e esta dimensão do absurdo em que se vive rasga-me a alma.
Ouço RAP hoje como ouvia Blues na minha adolescência. O sentimento de tristeza é o mesmo. Nos Blues as palavras repetiam-se com um objectivo musical e aumentava a tristeza, no Rap as palavras do texto são fortes e cantam uma vida, uma causa por que se luta e são igualmente incitadoras à tristeza.
A decadência social, a desagregação dos valores e princípios, este labirinto Kafkiano onde não se veem soluções à vista afecta-me.
Não é fácil manter o devido distanciamento desta irracionalidade que nos rodeia e difícil se torna e, impossível, criar uma bolha defensiva.
Gostava de possuir pensamento geométrico,  ter pensamentos frios.



Primeiro descobrimos a vida, de forma dolorosa muitas vezes, depois à medida que avançamos na idade, todas as críticas que (NOS)fazemos são sempre redutoras, nem sempre facilitamos a substituição das diversas fichas de leitura.

helena soares

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

INSÓNIA

Mensalmente amarela
sem unguentos, lívida
Flor desolada.
Noite de cansaços sentidos
por meu coração azul.

Amas-me
Sussurras-me aos ouvidos suavemente
Enlaças-me no calor da noite, no frio da noite.

Aproximas-te silenciosa
e fazes-me abandonar as recordações.
És lasciva e o meu pensamento em ti penetra.

Entras-me pelos lençóis serenamente
Instalas-te com teu perfume e
cansas-me o coração.
És doce e pérfida.

É sábado e
Hoje e ontem se  confundem em mim.
A velhice entrou.

Às vezes lambo as sombras e
sinto esta estranheza de viver.
Depois volto ao silêncio
que me alimenta o descanso

e

Vejo-te nua insónia.

Vertigens e espelhos
atravessam-me nesta quietude
Como lamento
Como substâncias do meu corpo.


helena soares


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O SILÊNCIO

Com o silêncio sinto:

. a suavidade de geometrias esquecidas
. a vertigem da infância
. a ausência do medo e da esperança
. a obscenidade do meu esqueleto

Com o silêncio:

. assobio ao sofrimento
. atravesso os espelhos e as estações
. soam em mim sinos de alegria e amor
. distingo assuntos invisíveis e gotas de água entre cristais


Com o silêncio alongo o meu sonho

olho as máscaras da minha visão

ouço o grito de existências não vividas e inexistências vividas


Com o silêncio amo o mar, o céu e a terra

e

sinto uma tristeza branca que sai de ânforas ocas


Com o silêncio abrem-se salões de impurezas, piedades
 alegrias e alimentos para o corpo

Com o silêncio sinto aromas e delícias no tempo que só o silêncio mede.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

VIGÍLIA

Vigio a melancolia.
Vigio as sombras que continuam em círculos.
Vigio as ferramentas abandonadas.
Vigio as extremidades dos silêncios.
Vigio os regatos da ira.
Vigio as vertigens frias.
Vigio as memórias que me abandonam.
Vigio a velocidade das coisas vividas.
Vigio os presságios húmidos que fendem pelas estações.
Vigio o Esquecimento.
Vigio as imobilidades.
Vigio o belo e o miserável.
Vigio as sílabas exactas quando olho o céu.

VIGIO A MELANCOLIA E APROXIMO O ROSTO PARA SENTIR O SEU OLFACTO