domingo, 28 de fevereiro de 2021

DORES ROCHA (personagem ficcional)


 Um dia Dores Rocha encontrou-se com um busto, um busto num sítio escondido, de um senhor cego, ali em frente  a ela.

Interroga-se quem será e de onde terá vindo e porque está de costas para o mar.

Tantas perguntas e nenhuma resposta. Então virou-se para trás, logo ali, e perguntou se sabiam de quem era aquela estátua. Ninguém sabia e alguns nem a tinham visto nunca.

Decidiu que havia de saber, a sério, quem era aquele homem cego dum olho, saber tudo sobre ele já que quem o colocou ali nem nome lhe deu quase com vergonha de colocar aquela cabeça tão pequenina e tão escondidinha.

Dores Rocha continuou o seu passeio junto ao mar  Atlântico, revolto, com ondas ora verdes ora azuladas ou mesmo quase amarelas.

Ela tinha medo do mar desde pequena quando a meteram nas ondas da praia sem seu consentimento, apenas porque diziam que banhos do mar faziam bem à saúde. D.R. procurava uma palavra dita sobre a sua questão, mas já obtivera a sua palavra calada. Então, de novo junto àquela escultura que a tinha posto a pensar. De repente, lembra-se: é o Luiz Vaz, só pode ser o Luiz Vaz aquele que quis conhecer outro mundo.

O Luiz Vaz que sonhou  com outro mundo e que conheceu outro mundo  e que nos deu a conhecer outro mundo, O MUNDO DOS AFECTOS, com sua lírica fabulosa, na  enorme batalha de descobrir o encoberto.

D.R. sentia e vivia neste mundo que separa as pessoas, neste mundo injusto e desigual, então  olhou o Camões no rosto e olhar o rosto obriga à responsabilidade.

Vivo neste mundo de  refugiados, de emigrantes, de glaciares que caem, neste mundo dos excessos. Diz-me Luiz Vaz se estes dois mundos em que vivemos, o teu e o meu e, em especial o mundo dos nossos sonhos. Diz-me porque a ti eu digo, que os nossos mundos se relacionam, nós sonhamos com outros mundos, os mundos sonhados.

D.R. ficou com os 5 sentidos alerta, forçando por entende-los. 








quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O MUNDO É REPRESENTAÇÃO

Quando o dia está fechado como hoje é mais fácil defrontarmo-nos connosco e tornar uma tristeza em algo criativo.

Quando não vemos muitas estrelas a lucilar, todos os zinidos ficam mais fracos e o silêncio se alonga.

Tenho mais um amigo na rampa final. A minha tristeza formalizou-se.

Os nossos amigos são-nos roubados.

Nós próprios estamos no comboio descendente e cada dia que passa mais lerdos nos tornamos.

A pandemia tem-me(nos) parecido uma espécie de chicote de nove pontas usado nos navios ingleses para vergastar os marinheiros e a morte dos amigos também.

As oportunidades de fazer um amigo são raríssimas e miraculosas e muito limitadas no nosso universo.

O Mundo é uma representação.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

DEIXANDO PASSAR O DESCONHECIDO

 Estamos sempre do lado de fora.

Fecham-nos as pesadas portas de democracia, quando não somos nós a fechá-las também. Por vezes,  até as empurramos a saber se estão bem fechadas.

Estamos, por norma, distraídos do que se passa ao nosso redor, muitas vezes somos nós que nos banimos.

Quando assim acontece, há sempre muita gente a aproveitar aquilo que não queremos.

Abandonamos a política porque não gostamos, assistimos à queda e ruínas dum sistema e pouco ou nada fazemos.  Suspiramos e dizemos 'isto vai mal' e o que fazemos de seguida?

Deixamos passar, afastamo-nos, criticamos, vamos embora.

O que pode ser mais importante do que a política?

A política que nos comanda a vida, todos os passos que damos, desde os bancos da escola até ao dia em que morremos.

Somos todos grandes luminárias a criticar, mas só alguns de nós passam à prática.

Há muita coisa que mudou no nosso país com o 25 de Abril, só quem não viveu o 24 pode negar esta evidência. A maioria mudou para melhor: A Saúde, o SNS era inexistente, a Educação, quem entrava na Universidade? Uma elite. Para já não falar no mais importante, a prisão política, a censura, o medo e tudo com isso relacionado.

Continuamos com níveis elevados de pobreza, demasiado elevados, ausência de empregos, vencimentos de miséria, etc.

As pessoas continuam a emigrar às centenas para conseguirem melhores condições de vida. Os jovens não conseguem nem segurança nem estabilidade para conseguir formar família.

A violência da pobreza e do desemprego violenta-nos e não é consequência da pandemia em que estamos mergulhados, a pandemia veio agravar tão só.

Deixamos adoecer a Demo cracia, apenas lhe fazemos uma visita retardada de vez em quando.

Era-nos desconhecido e ainda continua a ser para a grande maioria que a democracia adoece e que precisa de ser tratada e acarinhada.

Deixamos passar o desconhecido.

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

VER DE PERTO

 Com o é bom vermos de longe manhãs e tardes ensolaradas.

Interrogo o silêncio que me rodeia e vejo de perto uma lagartixa que rabeia parede acima e volta-se na minha direcção. Parece que me olha na sua cabeça chata e me pergunta porquê.

Não sei, respondo-lhe. 

Está tudo vazio mas eu procuro-me.

Vejo-me sozinha a ir para a escola da Trindade, assustadiça no meio da cidade. Tinha medo da professora. Tinha entrado mais tarde quase dois meses devido ao sarampo e estava atrasada nas contas.

Era no tempo do fascismo. Nessa altura quando não sabíamos punham-nos umas orelhas de burro, mandavam-nos ajoelhar no estrado e estar assim toda a manhã a olhar para a parede, depois de termos dado as duas mãos para as esquentarmos com cinco reguadas em cada mão. Uma humilhação tremenda que ainda hoje me lembro, uma dor que se carrega toda a vida. O fascismo pesava muito no nosso franzino corpo.

De novo a lagartixa me interpela e ao meu passado. Volto ao silêncio e ouço o gemer das rolas no silêncio do confinamento, palavra que se passou a usar muito desde o ano passado, significando prisão domiciliária sem crime perpetrado. Informaram-nos que devido ao Serviço Nacional de Saúde estar muito doente por não terem cuidado dele há décadas, não o poderíamos sobrecarregar nem matar a economia, por isso convinha não nos infectarmos com o vírus Sars-Cov-2 que apareceu vindo não se sabe de onde, para dizer que a Vida na Terra não podia continuar assim, a que os governos mundiais não deram nem dão qualquer importância na sua verdadeira essência de mensagem.

Ouço uma voz conhecida: Mudaste muito de aparência, nem te conhecia.

Mais à frente outra voz: Estás igual, pensas o mesmo que pensavas há 40 anos. Não sabia se tinha sido proferido um piropo ou um insulto, mas aos meus ouvidos soou-me como piropo.


Olho para o outro lado e vejo uma gaivota, tinha a certeza - estava no Porto. Era antes da pandemia, ouvia falar várias línguas e  pensava: um dia quando este turismo desenfreado acabar ou abrandar, a terra que me viu nascer, esta bela cidade do Porto, vai ficar mais pobre ainda.

Olho para o Rio e de seguida regresso ao presente e ao futuro.

Emocionei-me quando ouvi a voz do rio, do meu amado e querido rio, que me sussurrou ao ouvido: se soubesse que vinhas aqui hoje, tinha mandado engalanar as minhas margens com bandeirinhas de papel de seda de todas as cores e convidava uma orquestra ´para tocar a música de Bach ou Chopin, os Nocturnos de que tanto gostas, porque quando se gosta de alguém deve-se dizer que se gosta e eu dir-te-ia assim.

Estremeci de comoção porque dentro de mim havia uma espécie de ressurreição com este regresso, o encontro de dois velhos amantes, o Douro e a Helena naquele sítio de sempre, só nosso.