segunda-feira, 20 de abril de 2015

ENVELHECER, ENVELHECENDO

Um dia olhamos para o espelho e vê-mo-las caídas e dizemos: não pode ser, não tinha reparado nisto, não aconteceu numa noite apenas.
Uma manhã damos conta que não nos apetece dormir mais, que chega o que dormimos, que o cérebro dispensou voluntariamente uma parte do nosso repouso.
Verificamos que as distâncias começam a ser maiores e os hábitos se começam a consolidar mais e mais e damo-nos conta da fragilidade da nossa existência.
Este amolecer diário não é por si só o mais importante, o mais importante mesmo é quando a alma envelhece.
A alma tem que desdenhar de anos e séculos porque não se rege pelo calendário comum, quando a alma se mete no calendário, então é mesmo um caso perdido.
O espírito quer-se insatisfeito, com fome de absoluto.
Envelhecemos quando começamos a ter cavernas no espírito sem sabermos, como aquelas cavernas que algumas montanhas têm mas não se vêem de longe.
Há pessoas que ao envelhecerem pretendem ainda  viver em pouco tempo todo o tempo que lhes parecia ter sido perdido anteriormente e essas correm o risco de diluírem os escrúpulos.
Começamos a sondar cada teoria em que acreditávamos e a colocar vários anexos, diversos apêndices, longas ramificações.
Confesso que não sou de moer o já moído, talvez porque  sempre me recusei a ser eco, gosto muito de ser voz.
Quando não se aceita o novo, quando se considera que a vida vivida é a coisa mais importante, aí então está tudo perdido.
Não, a essa fase ainda não cheguei, sempre gostei de dar a vez e acatar as novas teorias.
É preciso estar atento e vigilante, os perigos são muitos e os maiores vêm de dentro de nós.
A inteligência sempre me pareceu um pau de dois bicos: há uma parte dela que se usa como os felinos se servem da sua agilidade para saltar, outros há que a usam para ocultar as suas expressões primárias e fingem superar a natureza.
A inteligência para mim, tem que saber que não é nas consequências e sim nas causas que a purificação se deve dar.
Continuo, por ora, a pensar que a minha estrada é recta e espero sempre estar sentada sobre o sol no momento do sol nascer ao fim da estrada.
Às vezes não faço bem as curvas, mas ainda me preocupo com isso.
Continuo a dirimir conflitos com os outros e comigo própria. Continuo a não achar bem vinda a lassidão de espírito.
Continuo a ser surpreendida e o meu arsenal de defesa a ser diminuto.

2 comentários:

GL disse...

Aqui está outro texto que me apetece "roubar".
Quanta verdade, quanta lucidez, quanto pragmatismo, quanto sabedoria de vida, e não só.
Um prazer imenso vir até aqui, sempre.
Continuação de bom fim-de-semana.
Abraço.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

obrigada, amiga pelas suas palavras