segunda missiva
Meu querido país,
Como sabes eras um velhote de camisola interior com palito na boca muitas vezes e, mesmo assim, gostava de ti.
Um dia quiseste deixar de ter hálito a refeitório e pela mão de Mário Soares, deixaste-te ir até àquele restaurante caro, em Bruxelas, e entre pancadinhas e abraços das muitas pessoas que lá se encontravam e que se diziam tuas amigas, depois duma garrafa inteira de comemorações, saíste de lá inebriado.
Quando regressaste eras outro. Saltavas e dizias, todo contente, que nos ias apresentar uns amigos que nos iam ajudar a sair da pobreza em que sempre estivemos.
Esses "amigos" começaram logo por te emprestar dinheiro, muito dinheiro porque te queriam dependente dessa nova vida de novo rico e tu continuavas contente, muito contente, desperdiçavas tudo: canetas, carros, secretárias, enfiaste sapatos de salto alto em pés gretados, limpavas com compressas as mesinhas de cabeceira dos hospitais e julgavas que eras rico, muito rico, alguns anteriores inimigos juntaram-se-te para festas e banquetes, como sempre fazem quando sabem que sai a sorte grande a alguém e tu, de tão obnubilado do juízo que estavas, de nada te apercebias e repetias que todas essas festanças eram em benefício do povo e da economia, que era preciso nos modernizarmos que era apenas o princípio e no princípio tinha que assim ser e... foi, mas o princípio do fim.
Os teus amigos de Bruxelas continuavam que nem esgotos a bolsar e nem sequer te lembravam que tinhas que pagar isso tudo com juros muito altos ou te ficavam com a casa, família e tudo.
E neste tempo que viajo a uma boneca sem pernas, é curioso como episódios que cuidamos perdidos voltam à tona, e continuo até à medula a ver vespas e gafanhotos nesta terra, ´
e tudo tão claro.
Querido país eu sei, talvez com toda a infância na cara, que te sentes arrependido, embora teimes em dizer que não porque te sentes envergonhado de teres falhado e por muito que penses em reparar a situação já quase nem te revês naquilo que és de facto.
Os teus falsos amigos tomaram-te conta do lar e querem expulsar-te, agora apenas te recomendam chá de tília para a insónia e depressão.
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