sábado, 15 de maio de 2021

UM PAÍS DEPRIMIDO

Morre uma actriz que o povo conhece da televisão. Não tem idade para morrer nem sofre de doença prolongada, mas morre como todos nós. O povo faz-se representar num funeral colectivo, desta vez quer marcar presença, sentir-se ali irmanado na mesma dor, fazer a catarse. Antes que a casa arda, dirigem-se para o cemitério, para um funeral duma pessoa que lhes entra em casa e julgam conhecer. É difícil escapar a este clima da pátria, sair de baixo desta sombra deprimida. Parece que uma pessoa para se levantar precisa de levar consigo a sombra. Não se consegue escapar às televisões a convovar o povo para a tristeza com motivo, para estas manifestações deprimentes ou,em alternativa, às correrias atrás dos autocarros clubistas, como se o país sofresse de grave transtorno bipolar. Parece maldição termos que estar sempre distraídos do que é importante, da educação, da cultura, da política. Há portugueses que parecem móveis antigos, estão ali quietinhos a apanhar pó, imóveis, sem se mexer, também pregados a atavismos vários. Vão-se pregando à cruz, agora com o PR caminhando à frente deles, guiando-os em procissão, parece que caminham numa safra do diabo, distraindo-se de tudo o mais. Às vezes a famosa pátria parece um circo em digressão. Quando é que sairemos pela porta da frente? Vivo num país muito cansativo. Se fosse jovem, emigrava. Nunca pensei assim, nem no tempo do fascismo, mas agora com o teste do algodão que é esta democracia à portuguesa, agora que estamos cada vez mais iguais a nós próprios, que não evoluímos a não ser na corrupção e no laxismo, penso. Páro e minha voz esmorece, parece-me ver movimentos de lábios nas pessoas como se essas vozes não lhes pertencessem, mas sim a um qualquer ventríloquo e elas não passassem de fantoches. Gosto deste país quando vou de comboio e vejo as suas belas paisagens fugir, o seu aspecto ser difrente e tudo o que se vê, ser construído por boa gente, sabemos que não é assim e ainda agora vimos como é que a mulher alentejana com unhas pintadas uma de cada cor falou na televisão, no proprietário do pequeno talho que o transformou em 'residência' para escravos, gente igualzinha aos proprietários das grandes explorações assassinas do solo alentejano e assassinas de gente que precisa de se legalizar entrando em Portugal e que têm de se alimentar e dar de comer à família enquanto isso, de gente explorada no seu país, explorada, por crápulas conterrâneos seus, até ao tutano porque as leis do nosso país assim permitem, explorados pelos patrões que só falam de ervilhas ou morangos que apodrecem e exportações, 'esquecendo-se' de tudo o resto. Sim, eu sei como actuo quando algum estrangeiro no meu ou no seu país diz mal da minha terra e, como de um momento para o outro passo logo à irracionalidade, digo logo que somos os melhores nisto e naquilo e naqueloutro. Sou portuguesa e doi-me, doi-me todo este imobilismo, este faz-de-conta das gentes que se opôem ao progresso, ao desenvolvimento seja ele qual for, nesta falta de arrojo para distribuirmos Educação, Cultura, Finanças por todos os que cá vivem. No fundo, parece que ninguém acredita na verdadeira mudança e apenas trabalha para o seu próprio bem estar, mesmo que esse se faça a galope do outro.

1 comentário:

GL disse...

Cada vez mais me entristece este País cada vez mais pobre, mais vazio de valores, de justiça, de lucidez, de pragmatismo.
Um país que esquece o essêncial, que esquece as prioridades e corre, desenfreado, atrás de um qualquer acontecimento está, irremiavelmente, condenado. Dói dizer, constactar esta realidade, só que a mesma entra, despudorada, sem respeito, pela nossa casa adentro.
Respeito pelo Outro é algo que caiu em desuso, veja-se o que se passa com o tratamento dado aqueles que, por pouco mais do que uma côdea, trabalham em regime de escravatura.
Educação e cultura, justiça social e um minimo de humanidade, são coisas de somenos, algo que não faz parte das preocupações de quem é responsável. Nivelar por baixo parece ser a palavra de ordem. Não há um golpe de asa capaz de fazer a diferença, não há ambição num país mais culto, mais letrado, muito antes pelo contrário, quanto mais atávico e atrasado melhor.
Assistir a um debate parlamentar é desolador, a réstea de esperança (?) que podiamos ter morre ali.
Vivemos, assim, de esperanças mortas, de injustiças que nos tiram o sono, que nos envergonham.
Não, este não foi o País que sonhei, que desejei para aqueles que nos sucederem.
Que legado lhes deixamos? Que exemplos e ensinamentos?
Resta-nos pedir-lhes desculpa pela tarefa árdua, pelo legado que lhes deixamos.