segunda-feira, 23 de julho de 2012

CALEIDOSCÓPIO

A vida tem muitas dimensões. Quando nascemos só vemos uma dimensão, a cara da mãe. Chegamos a adultos e  ela tem profundas e complexos níveis de entendimento. Desdobra-se em vários sentidos com o passar dos anos.
Criam-se hábitos de pensar. Eu criei e muitos como eu criaram, o hábito de pensar que as linhas paralelas nunca se encontravam, mas agora sei que as linhas paralelas, de facto, se encontram sobre uma esfera.
Vem isto a propósito ou não de cada vez mais entender menos certos sentidos que dão às coisas.
Não sei se é apenas uma questão de gnose, porque aí com a leitura de alguns livros talvez resolvesse o problema, acho  que as nossas cabeças se baralham. Tivemos que aprender o que eram mercados, ciclicidade e muitos outros duma forma quase instantânea. Eu aprendi esses significados flutuantes e "pragmáticos", mas do que falo é duma outra dimensão, não daquela em que cada um de  nós com os esclarecimentos essenciais, aceitamos ou rejeitamos.
Quando sabíamos os assuntos da vida e sabíamos de onde vínhamos, dava muito mais garantia de saber onde e como estamos e, com base no caminho feito, especular com alguma margem de verdade para onde as coisas poderiam ir.
Hoje passamos rapidamente para o entendimento do sinal, reduzido a reflexo e a um único sentido, numa simplificação trágica de vários sentidos num único vector que vai directamente à acção.
As noticias que nos apresentam todos os dias na imprensa são instantâneas, parecem invertidas, são cristalizadas e sectorizadas. Parece que a própria esquizofrenia ultrapassa a doença mental naquilo que tem de excepção para se tornar normalidade.
Os indivíduos contam pouco ou quase nada. O indivíduo parece que só tem valor ou utilidade se nascido dentro dum partido que duma forma macabra se vai alimentar do indivíduo. Tudo se passa num ápice.
O reflexo do espelho que pode retorcer, inverter ausentou-se de vez.
Os Narcisos que por aí pululam não necessitam mais de espelhos porque só conhecem uma realidade: a sua.
Não é necessário reflexão, pois esta passa ao estatuto de imediatismo, vê-se isso claramente ao ler um jornal ou a ouvir televisão.
A vida tem o valor semelhante ao da morte. Um valor nulo. A memória tornou-se desnecessária.
Assistimos a uma auto-flagelação desta civilização? Há quem diga que sim.
Li a Terceira Vaga de Alvin Tofler e a "des-simbolização" crescente elaborada pela administração e imposição de Ideologias nascidas ainda de uma forma inconsciente na Revolução Francesa.
Li que o nascimento das ideologias coincide com o progressivo desaparecimento duma Era simbólica.
Li tudo isto e nada me chega para perceber o tempo actual.
Assisto a esta nova ideologia em ascensão - a globalização.
Percebo que não posso continuar a ter uma visão poética do mundo, a mesma onde se move o símbolo porque o tempo está mais curto, em 24h pode-se dar a volta ao mundo.
Tudo existe dentro duma realidade.
O relativismo é-o só num ponto. Para além do ponto, para além do sinal, parece nada haver, é o próprio vazio.
Funde-se tudo. Fundem-se culturas, fundem-se diferenças, fundem-se distâncias.
Tudo desaparece e fica o vazio. O vazio que tudo invade.
Sim, também li Gilles Lipovetsky e "A Era do Vazio".
Somos os últimos humanos?
Para sermos humanos precisamos de símbolos.
Os símbolos foram virados de pernas para o ar.
Parece que o mundo virou sátira. Onde fica a sátira hoje? Quem é burro e incompetente passa a governante, os mais fracos mandam nos mais fortes, deixa de haver espaço para margens nem marginais.
A excepção é a regra e a regra é excepção. A dimensão humana escorre pelos dedos.
O preço da simplificação é um crescente complexo de culpa por nada sabermos sobre o sentido e o significado.

4 comentários:

lua vagabunda disse...

... mesmo a apetecer-me fazer outra leitura do teu magnífico texto, por exemplo escrever aqui que uma nova dimensão humana está a surgir... não consegui...
Tb não acredito... nem gosto!

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Escreve Manela. Reescreve é para isso que ele está aí.

Helena disse...

Também não gosto. E faço todos os dias o pino, depois de quinhentas flexões. Miro tudo de longe e de perto. Viro a vida do avesso com as costuras para fora. Remonto tudo diariamente e às vezes até a mim própria, para não me deixar cair em depressão.

Beijo

lua vagabunda disse...

pois... mas é que eu não consigo porque tb vejo e revejo isto dia a dia.

Cansada. Exausta.

Jinhos para ambas