sábado, 14 de julho de 2012

LUTO

Vemos passar toda a vida em poucos minutos.
Não sei se é ela que nos espia ou somos nós a ela.
São tão fortes estas imagens que parecem reais, são recordações afectivas.
Fazem com que os mortos falem comigo, me abracem ou simplesmente permaneçam.
Parece que apenas armazenei imagens para agora se apresentarem todas diante de mim.
Colam-se, não me largam, para onde eu for vão comigo. A maioria evoca momentos felizes.
Não se chegam a formar, impõem-se, coloridas, em movimento e depois de se erguerem bem perto dos meus olhos e coração com a sua bafagem, de me encherem interiormente, de flutuarem, desaparecem para dar lugar a outras, intemporais mas densas.
Minuto a minuto como uma fumarada que alastra me visitam, desenrolando-se  para mim e repentinamente se apagam. Logo a seguir brotam outras, animadas duma agilidade de farândola e crepitam e desvanecem-se como faúlhas igniscentes.
Algumas assemelham-se mesmo a labaredas.
E volto à realidade, segundos decorridos olho a neblina sobre o rio, a atmosfera do cheiro  a queimada que me enjoa, as nuvens a formarem-se no céu azul, ouço uma serra mecânica no silêncio e as imagens ficam suspensas finalmente.
Aparecem as primeiras casas por trás da neblina e os primeiros foguetes.
Estas memórias não me abandonam, não me largam  e avançam para mim, apanhando-me desprevenida, ora à rédea solta, ora a trote largo.
Sim, todos os lutos são difíceis de fazer e precisam sempre de tempo, mas este é-me muito vivo, está-me no peito, não consegui dizer nada, não consegui ter tempo para dizer tudo o que queria.
Sinto-me engasgada.
A aldeia em frente já está iluminada de sol.

4 comentários:

lua vagabunda disse...

Que lindo. Que bem escrito.
Um poema em forma de prosa.

... mas mesmo que se tenha tido tempo para se dizer tudo o que se queria, mesmo que a morte fosse a escolhida e pensada, mesmo a aceitemos intimamente, a memória jamais nos abandona e sentimos intensamente a ausência...

Deixo um grande beijo

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

obrigada Manela

Helena disse...

Também eu venho deixar-te um enorme beijo, Homónima.
Que tenhas um dia bom!

E também eu gostei muito, mas mesmo muito, do teu texto! Mas isso não tem em si qualquer novidade.:)

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

obrigada Homónima