terça-feira, 31 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA

COLÓNIAS MENTAIS

O que faz esta gente falar toda da mesma maneira? Leram todos os mesmos livros? Não, alguns nem leram nada.
Todos estão cercados dum espírito de convicção que os proíbe de terem uma linguagem própria e um pensamento solitário.
Esta gente mantém a rotina do pensamento, vão ver o que os outros disseram sobre o tema X ou Y e de seguida, da forma mais defensiva possível, atiram as palavras dos outros para continuarem a gozar de impunidade, claro que não falo só dos jornalistas ou governantes.
É assim que se vai formando o senso comum que depois e, nem sempre muito depois, se vem a chamar de bom senso.
Gente que não chega a ser indolente mas que é refinada nesse vagar dos que esperam para pensar.
Pessoas que enfrentam todas as leis do céu e da terra e que podem ser tudo na vida, da mesma forma que são ministros poderiam ser donos dum prostíbulo.
Esta gente cria-me um sentimento próximo da infelicidade. Não sei se são impotentes intelectualmente, mas grotescos chegam a sê-lo. Não raro praticam louvaminhas.
A banalidade toca as frases que pronunciam ou escrevem. Seres vulgares e vulneráveis, não se dispõem a conhecer bem um assunto porque se o fizessem sabiam que muitas vezes tinham que se calar sobre ele.
Não ousam pensar um único pensamento incómodo.
Por vezes, aparecem-nos com sombrio aspecto, aquele aspecto de quem as verdades chegam em 1ª mão. Alguns, cada vez menos, apresentam-se com um ar levemente prevenido, um ar solene mesmo.
Há um decadência no pensamento sim. A decadência como fenómeno de observação é de muito difícil análise, mas quando um povo não consegue utilizar, aplicar a sua experiência  às circunstâncias que surgem, circunstâncias intoleráveis, então o seu espírito que é a própria actividade, está em decadência.
Não é apenas um povo que entrou em decadência, a Europa  também está decadente, enquanto deixar que os mercados a tutelem, enquanto com eles desviar o curso dos rios e rebentar com países para manifestar o seu poder como se de um Hércules se tratasse, é também duma Europa decadente de que falamos, presa fácil de seus próprios crimes, percepcionados como inocentes, que definha e auto se destrói.
Toda esta gente, porque contados à cabeça são pessoas, se reveste de ênfase às vezes, com tons verdadeiramente empolados porque à defesa, não querem pensar, preferem copiar as ideias  radicadas em interesses de meia dúzia.
De tão patéticos que são, quer o jornalista duma grande empresa de comunicação, quer os governantes dum país, quer os poderosos duma região do Mundo que se  quer civilizada, me fazem penosa a observação.
Quase todos estes seres se exprimem com petulância e testemunham uma espécie de ressentimento, no entanto continuo a assistir a que muitos se lhes juntam não deixando de se desconfiarem entre si.
Trata-se de naturezas medíocres, de várias e muitas colónias mentais disseminadas por todo o lado, para todos os lados que nos viremos.

domingo, 29 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA


MAS SERÁMESMO A CANELEIRA?

AUSÊNCIAS

Há ausências que se sentem, que se impõem  muito mais que as presenças. Ecoam, gritam-nos aos ouvidos.
Cada um de nós tem os seus métodos para lidar com elas.
Ùltimanente criei um ritmo intimativo nesse sentido.
Tenho vindo a aumentar a acrobacia e a violência quase obstinada com que me entrego a esse ritmo como se fora quase uma vertigem só de velocidade e de equilíbrio.
Ausências temporais que se abandonam ao seu próprio movimento e atmosfera.
As ausências são uma espécie de distorções, de monstruosidades das presenças.
Vêm-me à memória as naturezas mortas e a sua ironia talvez porque ambas tomem um significado quase dialético e insuficiente.
Têm uma enorme força e por vezes sobrepoêm-se a tudo, mas tal só acontece porque lhes imprimimos um sentimento, quando não, gostos cruéis como se fora uma moral para os sentidos.
Há ausências tão egoístas que chegam a ser quase mais  humanistas que a dos próprios anjos.
Há ausentes que primam pelo seu instinto de celebração pessoal, como se tratassem de cultivar uma virtude.
Fingimos sempre que os ausentes não nos constrangem e que de certa maneira nos divertem, que não nos afectam, há até anedotas e aforismos aplicados à situação.
Há ausências que fazem parte  da estética de cada um e há-as tão profundas que nos fazem mudar porque nos obrigam a adaptar a novas situações.
Há ausências que nos dão tempo para ver e ouvir uma flor que morre.

sábado, 28 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA

BANALIDADES

É uma banalidade fazer anos, no entanto todas as vezes que os faço, sinto-os e sinto-me de forma diferente.
É um vício quase.
Quando era pequena a minha avó enfeitava-me a cadeira de flores e eu ficava encantada, fascinada e sentia-me mesmo uma princesa.
Fui crescendo e a linguagem festiva foi sendo outra. Reunia-se a família. reuniam-se os amigos e tudo resultava numa enorme felicidade.
Aquela doçura dos dias alegres e verdadeiramente quentes foi experimentada tantas e tantas vezes. Dias com a presença do meu pai e  minha avó e do Sr. Rodrigues, referências para mim, gente que me educou e a quem devo a maior parte do que sou.
Quando fiz 40 anos, a festa foi minhota e meteu rancho folclórico na Casa da Anta. Foi maravilhoso ver-me rodeada de amigos e a alegria tomar conta do local.
Gosto de alegria, de cor,  de gente boa e que goste de mim. Tudo isso tenho tido.
O conhecimento da felicidade que nos rodeia é ao mesmo tempo uma ciência e um trabalho e uma liberdade.
O ano passado fiz 60 anos e uma festa cá em casa. Foi um marco histórico, mais um na minha vida que celebrei com os meus amigos.
Gosto de vez em quando abanar a existência, de ouvir as cigarras a cantar, do ar cálido com cheiros a seiva e da terra a respirar, se calhar são os meus gostos extravagantes.
Este ano os ventos têm-me sacudido e penetrado, mas sei que me cumpre decidir sobre as minhas próprias sensações. É certo que o mundo nos invade e é difícil fazer a síntese, uma boa síntese entre ele e nós.
Os sentimentos não podem ser uma forma de agir, há na natureza humana elementos muito subtis e difíceis de controlar e ultimamente tenho frequentado alguns deles.
Desejo-me em estilo novo de idear novas formas de imaginação.
Desejo-me que a necessidade se torne desejo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA



A MINHA TIA HELENA

ABISMOS DE DÚVIDAS

Porque as pessoas nadam e sobrenadam em confusões?
Pessoas que estudaram, que deviam pensar, não deixa de ser extraordinário, que exactamente estas pessoas aflorem problemas cuja análise já foi proposta em termos irrecusáveis.
Li uma frase há muito tempo que permanece comigo, que era: "Não temos de facto liberdade, a liberdade criámo-la". Tenho dúvidas sobre ela, é um assunto demasiado subtil.
Que mania eu tenho de analisar, melhor tentar repensar, os lugares comuns. Sempre que isso acontece as dúvidas assaltam-me e lá tenho que recorrer à filosofia pois só ela nos pode valer.
Não gosto de consciências chauvinistas, mas tenho dúvidas de não possuir também uma.
E não são só as palavras que são como as cerejas, os pensamentos também e por isso me ocorre, de imediato, o que se passa hoje com os povos da Europa que se reúnem em Bruxelas mas continuam solitários observadores. Ocorre-me perguntar a cada um deles se sabe o que o seu vizinho representa - que povo, que geografia, que história, que aspiração transporta nas suas veias e pelos quais pode responder.
Mas é inútil. Ninguém ou quase ninguém parece disposto a pensar para além dos seus quadros. Ninguém tem dúvidas, todos têm certezas. Ninguém usa a perplexidade, caso contrário julgam negar o próprio ser.
Tenho dúvidas quando as pessoas que governam, que emitem opiniões, que têm poder falam sério, com aquela seriedade que parece sempre estreada no momento, assim como se estivessem a dar uma aula. Parecem-me apenas fazer parte do absurdo.
Tenho dúvidas sobre o tremendo bom senso das classes médias, a respeito da sociedade e da política e agora da crise com que enchem a boca.
Tenho dúvidas quando fazem um sorriso radioso e dizem que...
Tenho dúvidas que tudo isto vá melhorar.
Nós somos um povo sujeito à decadência e nunca fomos prósperos, os anos 80, os últimos para não falar na época de D. Manuel e não só, a prosperidade não se conjugou com uma experiência adequada às circunstâncias.
Quando nos surgem circunstâncias não somos suficientemente activos, não costumamos resistir eticamente perante a influência perniciosa do estrangeiro, no que respeita às suas condições. Assim sendo,  tenho dúvidas que uma nação assim não se afunde cada vez mais.
Tenho muitas dúvidas sobre nós todos como povo.
Os criminosos verdadeiros, os que descapitalizam um país e o matam continuam impunes, porque há uma fé simulada pelas opiniões em que "todo" o mundo comunga sem esforço.
Não é fácil abordar alguém que pense pela sua própria cabeça, quase todos "pensam" as ideias mais divulgadas e consideradas fazendo parte do senso comum.
É tudo enfático.
Tenho dúvidas dos tons empolados com que falam.
Tudo começa a ser patético, começa a ser demasiado penoso continuarmos sempre, mas sempre com aquelas dúvidas que nestas manifestações "oratórias" quando se apresentam não nos estejam a esconder o principal.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA

CALEIDOSCÓPIO

A vida tem muitas dimensões. Quando nascemos só vemos uma dimensão, a cara da mãe. Chegamos a adultos e  ela tem profundas e complexos níveis de entendimento. Desdobra-se em vários sentidos com o passar dos anos.
Criam-se hábitos de pensar. Eu criei e muitos como eu criaram, o hábito de pensar que as linhas paralelas nunca se encontravam, mas agora sei que as linhas paralelas, de facto, se encontram sobre uma esfera.
Vem isto a propósito ou não de cada vez mais entender menos certos sentidos que dão às coisas.
Não sei se é apenas uma questão de gnose, porque aí com a leitura de alguns livros talvez resolvesse o problema, acho  que as nossas cabeças se baralham. Tivemos que aprender o que eram mercados, ciclicidade e muitos outros duma forma quase instantânea. Eu aprendi esses significados flutuantes e "pragmáticos", mas do que falo é duma outra dimensão, não daquela em que cada um de  nós com os esclarecimentos essenciais, aceitamos ou rejeitamos.
Quando sabíamos os assuntos da vida e sabíamos de onde vínhamos, dava muito mais garantia de saber onde e como estamos e, com base no caminho feito, especular com alguma margem de verdade para onde as coisas poderiam ir.
Hoje passamos rapidamente para o entendimento do sinal, reduzido a reflexo e a um único sentido, numa simplificação trágica de vários sentidos num único vector que vai directamente à acção.
As noticias que nos apresentam todos os dias na imprensa são instantâneas, parecem invertidas, são cristalizadas e sectorizadas. Parece que a própria esquizofrenia ultrapassa a doença mental naquilo que tem de excepção para se tornar normalidade.
Os indivíduos contam pouco ou quase nada. O indivíduo parece que só tem valor ou utilidade se nascido dentro dum partido que duma forma macabra se vai alimentar do indivíduo. Tudo se passa num ápice.
O reflexo do espelho que pode retorcer, inverter ausentou-se de vez.
Os Narcisos que por aí pululam não necessitam mais de espelhos porque só conhecem uma realidade: a sua.
Não é necessário reflexão, pois esta passa ao estatuto de imediatismo, vê-se isso claramente ao ler um jornal ou a ouvir televisão.
A vida tem o valor semelhante ao da morte. Um valor nulo. A memória tornou-se desnecessária.
Assistimos a uma auto-flagelação desta civilização? Há quem diga que sim.
Li a Terceira Vaga de Alvin Tofler e a "des-simbolização" crescente elaborada pela administração e imposição de Ideologias nascidas ainda de uma forma inconsciente na Revolução Francesa.
Li que o nascimento das ideologias coincide com o progressivo desaparecimento duma Era simbólica.
Li tudo isto e nada me chega para perceber o tempo actual.
Assisto a esta nova ideologia em ascensão - a globalização.
Percebo que não posso continuar a ter uma visão poética do mundo, a mesma onde se move o símbolo porque o tempo está mais curto, em 24h pode-se dar a volta ao mundo.
Tudo existe dentro duma realidade.
O relativismo é-o só num ponto. Para além do ponto, para além do sinal, parece nada haver, é o próprio vazio.
Funde-se tudo. Fundem-se culturas, fundem-se diferenças, fundem-se distâncias.
Tudo desaparece e fica o vazio. O vazio que tudo invade.
Sim, também li Gilles Lipovetsky e "A Era do Vazio".
Somos os últimos humanos?
Para sermos humanos precisamos de símbolos.
Os símbolos foram virados de pernas para o ar.
Parece que o mundo virou sátira. Onde fica a sátira hoje? Quem é burro e incompetente passa a governante, os mais fracos mandam nos mais fortes, deixa de haver espaço para margens nem marginais.
A excepção é a regra e a regra é excepção. A dimensão humana escorre pelos dedos.
O preço da simplificação é um crescente complexo de culpa por nada sabermos sobre o sentido e o significado.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA



MINHA QUERIDA AVÓ

NO HOSPITAL UMA MANHÃ

CONSULTA EXTERNA

Se algum sociólogo ou psicólogo social quiser fazer uma análise, uma espécie de corte transversal à sociedade vá até ao Hospital uma manhã, um dia inteiro, está lá tudo.
No Hospital, local de silêncio, tudo é ruído, a começar por quem lá trabalha e em toda a parte há uma fauna que se move, que se cruza, que se inspecciona. Há também um sentimento de vaidade ou de malogro.
As salas estão recheadas de pessoas, não só de doentes, mas também de acompanhantes, são como telas ou esculturas num museu ao vivo. Há mulheres-mães, mulheres-esposas, mulheres-filhas e companheiras.
Há homens que simulam mergulhar em meditação enquanto espiam as pernas (usam-se de novo, os vestidos) duma mulher que por ali passa, seja doente, médica ou qualquer outra.
Ouve-se gente falar de doença em descrições dolosas e pungentes, esperando que outras as ouçam, como que buscando consolo nesse palco.
Há sorrisos velhacos que espreitam tudo, às vezes tudo parece conspurcado e sem sentido.
Corredores cheios de gente, gente que circula em cadeira de rodas, de maca ou a pé, tudo no mesmo espaço para trás e para diante ou em diagonal mesmo.
Ontem, o suor corria na testa dos ocupantes daqueles salões. Muitos infelizes ali se encontram, a maioria traídos pela vida e agora por este Ministro da Saúde, da maneira mais leal possível.
É um lugar quase triste,onde se olha constantemente para um placard com uns números, se não fora de quando em vez, uma voz ou diabrura de criança ou o colorido duma mulher de pernas longas e morenas.
Há alguma gravidade no ambiente, nota-se através do tamborilar dos dedos de uma senhora ou homem mais impacientes.
E tudo eu invento, vidas para este e para aquele e mais aqueloutra.
Aquela ali com saia rodada comprida, de meia idade, aquela idade em que há aventureiras aposentadas que buscam ainda, aquele outro com  ar de quem esteve preso e que não demorará muito em lá voltar.
Há a avó que não segura a neta em férias, habituada a não ter avó nem família, nem nada. Há o filho atencioso com o pai velho.  Há a mãe dependente da cadeira de rodas e da filha.
Há uma criança a encabritar-se na cadeira e a voar num cavalo alado, há um aparelho de ar condicionado que faz chover e retrocedo 30 anos atrás.
Há também uma espécie de dourada miséria que lêem revistas de trás para a frente e de frente para a trás com o peito ao leu com blusas compradas nos chineses para chinesas magras ou nos ciganos que também compram nos chineses e que mesmo assim enumeram dívidas. Imagino-as em quartos escuros, com cobertas com nódoas e paredes sujas de humidade.
Mulheres carregadas de estrias como antigamente os ciganos com dentes de ouro, mais moídas que a própria vida.
Há discretas senhoras e senhores que usam a sua finura em qualquer lado, furando delicadamente todos estes ambientes e eu penso e sinto o canto das cigarras e as montanhas áridas que Cézanne pintou. Olho para os cartazes nas paredes que anunciam congressos e pergunto-me qual é o local que não quer ser inventado e que não merece isso?

sábado, 14 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA


ESTE ANO É MESMO SÓ EM IMAGINAÇÃO

LUTO

Vemos passar toda a vida em poucos minutos.
Não sei se é ela que nos espia ou somos nós a ela.
São tão fortes estas imagens que parecem reais, são recordações afectivas.
Fazem com que os mortos falem comigo, me abracem ou simplesmente permaneçam.
Parece que apenas armazenei imagens para agora se apresentarem todas diante de mim.
Colam-se, não me largam, para onde eu for vão comigo. A maioria evoca momentos felizes.
Não se chegam a formar, impõem-se, coloridas, em movimento e depois de se erguerem bem perto dos meus olhos e coração com a sua bafagem, de me encherem interiormente, de flutuarem, desaparecem para dar lugar a outras, intemporais mas densas.
Minuto a minuto como uma fumarada que alastra me visitam, desenrolando-se  para mim e repentinamente se apagam. Logo a seguir brotam outras, animadas duma agilidade de farândola e crepitam e desvanecem-se como faúlhas igniscentes.
Algumas assemelham-se mesmo a labaredas.
E volto à realidade, segundos decorridos olho a neblina sobre o rio, a atmosfera do cheiro  a queimada que me enjoa, as nuvens a formarem-se no céu azul, ouço uma serra mecânica no silêncio e as imagens ficam suspensas finalmente.
Aparecem as primeiras casas por trás da neblina e os primeiros foguetes.
Estas memórias não me abandonam, não me largam  e avançam para mim, apanhando-me desprevenida, ora à rédea solta, ora a trote largo.
Sim, todos os lutos são difíceis de fazer e precisam sempre de tempo, mas este é-me muito vivo, está-me no peito, não consegui dizer nada, não consegui ter tempo para dizer tudo o que queria.
Sinto-me engasgada.
A aldeia em frente já está iluminada de sol.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA



ANTIGAMENTE ERA ASSIM

COMO SE ENTENDEM AS COISAS DA VIDA

É tão diferente a compreensão que temos da vida aos 40, aos 50 ou aos 60.
Chegamos aqui e olhamos a vida cara a cara.
Se aos 40 palramos mais, duma maneira geral,  dormimos ao luar e subimos montanhas, aos 50, navegamos entontecidos, embora haja uma linha muito clara a definir juventude que se foi, a agitação profunda de todos os dias diferentes, diversos  a cada instante e os dias "preguiçosos" dos 50 em que já não apetece embarcar sempre.
É-se útil e maduro e julga-se que a sabedoria enfim, chegou. As forças ainda não faltam, embora já se tenha visto algumas tragédias grandes e humanas, mas ainda não há tempo para guardar recordações. Continua-se a pensar que devemos deixar impressas as nossas pegadas.  As ilusões não findaram ainda, as bocas continuam com sede.
Canta-se e desfolham-se camélias. É uma feéria.
Temos vontade de adivinhar todos os mistérios e o prodigioso coração sente-se a bater.
Há uma ânsia e a alma diz-nos que já fomos infinitos, que já fomos luar, mas continua o céu azul a abrir-se para nós.
Conhecemos e sabemos fazer algumas magias. Já não acreditamos em amores etéreos, mas com imaginação continuamos à espera de mágicos desfiles.
Aos 60 calamos mais, mas ainda noivamos com as coisas, em especial quando há luar.
A vida foi-nos modelando, ensinando o caminho.
Há muitos restos de antigas recordações, mas dentro de nós  um leito.
Acontece haver muitos dias luminosos e soalheiros.
Continuamos sorrindo, mas sabemos que não há um único olhar, que são vários. Conhecemos bem o pó dos corações e até as ruínas nos parecem interessantes.
Conhecemos o cheiro do sol e quando de noite uma rapariga se põe a cantar ou as lágrimas lhe saltam dos olhos.
Não queremos síncopes a falarem connosco, no entanto há luzes perturbadoras.
Temos cândidas conversas das coisas e os enigmas já não são tão mudos.
Não sabemos tudo e sabemos que nunca vamos saber.
Sabemos que nada se perde. Sabemos que o tempo já não é um namorado e há uma serenidade que não alheamento, que nos emociona, que ouvimos ao longe e mesmo aqueles, em que o "destino" os fez tristes, que não têm amigos, que os caminhos por onde passaram tiveram mais pedras que outra coisa, mesmo esses de quando em vez ainda sonham com o sonho.
Somos mais íntimos de nós próprios e os sentimentos tornam-se mais contidos em contacto com a vida, já não dizemos sempre, fica para breve, à espera de nova oportunidade. Já temos quase as vozes todas, a que canta, a que se zanga,  mas continuamos com alguns relâmpagos em noites de tempestade.
A concepção da vida é mais profunda, despimo-nos de palavras,  de conceitos e preconceitos.
O chão da vida continua a ser-nos dorido, sofrido, porque a vida é assim mesmo, mas temos menos ódio à complexidade e a nossa alma serenou em relação às emoções.
A viagem está a muito mais do meio e conseguimos ser mais bondosos connosco, de uma maneira geral.
Interpretar a vida não é porém para todos, apenas para aqueles que a viveram.
Há quem morra sem ter vivido.
Há também aqueles que em vez de alma têm um cano de esgoto.
Tenho falado apenas dos homens e mulheres que não foram nem génios nem ferozes egoístas, nem invejam mediocridades com nome ou sem ele, vivem mais ou menos estas décadas vestidas desta maneira.
Às vezes temos que nos virar do avesso, mas a forma de reagirmos ao nosso universo nestas três décadas de vida absorvem-nos.
Quando estamos dentro da vida, quando vemos criaturas com fome, além de ambientes bucólicos, quando somos cosmopolitas no olhar, serenamos sem nos encolher e quanto mais velhos mais força temos, tal como os castanheiros.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA




GOSTO MUITO DESTE CHEIRO - A TÍLIA -SENTEM?

DiALOGANDO

A vida vai-se desdobrando em múltiplos sentidos.
Os  momentos cristalizam-se.
Sinto alguns, outros não. Não agarro todos os momentos.
Atravesso  as situações, o tempo, os dias e o que me dizem as pessoas.
Muitas ausências me possuem, me cercam.
O sonho foge e foge e foge.
Estive uma década num impasse, mas o caleidoscópio esperava-me.
A vida é como um caleidoscópio com as suas várias dimensões, que permanece esperando por nós.
Há muita coisa que passa e nos passa, como os anos que continuam a passar e nós sempre sozinhos.
O lugar de diálogo é connosco, pode ser a olhar para o céu, mas também no meio da multidão.
Conversamos uns com os outros, por vezes até com ênfase, mas o verdadeiro diálogo é connosco.
Passamos por muitas transformações.
Umas vezes somos lúcidos, outras nem por isso.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA


TENHO SAUDADES DE FÉRIAS

MÁSCARAS

Assistimos às metamorfoses do Mundo, à sua definitiva dissolução tal como era.
Cenários de terra desfigurada. Muita gente ficou e fica de fora, perdida sem zona de conforto como se diz agora.
Foram arrancados, não têm voz, marginalizados, esquecidos, condenados, numa palavra só. São os desempregados a quem roubaram uma existência, a quem humilharam, a quem ofenderam, a quem puseram fora do enquadramento, são gente da classe média empobrecida, solitária. Gente que passa pela frustração, pelo servilismo, pela indignidade, com a auto-estima numa lástima.
Nada sobrevive, nem o contentamento que se transforma em descontentamento.
Eles, os que orquestram tudo isto, têm consciêrncia, têm a certeza que estão a eliminar automaticamente tudo, que nem quase fragmentos deixam, que deixam as pessoas vazias, ofendidas, desmoralizadas, fracassadas, abandonads nos seus limites.
Pessoas com famílias, com filhos, que inicialmente tentam encobrir todo o seu desgosto, toda a situação, tentam aguentar da melhor maneira que sabem tudo aquilo por que estão a passar, porque nem elas  acreditam que seja verdade e por tanto tempo, mas à medida que o tempo vai passando, as forças vão escasseando, vão abdicando de todos os pequenos prazeres e enveredam  algumas delas pelo lado errado para se salvarem.
Todos estes responsáveis não são imparciais, não são neutros, sabem que estão a declarar guerra desigual e medonha aos indefesos, aos que nada ou pouco têm.
São vorazes, forçam muitos ao suicídio com essas decisões que tomam uns e não tomam outros, limitando as suas intervenções e não evitando a condenação de tantas centenas de pessoas à miséria.
Essa gente usa máscaras. Todos os dias vêm com máscaras de inocentes anunciar novas medidas de austeridade, chamam-lhe assim. Auterizam-se a si próprios a novas incursões nos roubos que perpetram aos cidadãos honestos e que não têm por onde fugir ao saque que lhes é feito. Estão do lado errado da existência. Sempre ao lado dos ricos, dos que não pagam impostos, dos que fogem, dos que odeiam o país onde nasceram e cresceram e agora também querem expulsar os jovens, exilá-los, porque estes não podem ser saqueados. Pretendem "deportá-los" como D. Manuel I fez em 1496 aos judeus, mas por outras razões.
Estes que nos "governam" que ajoelham e silenciam perante as ordens alemãs e os interesses capitalistas do mundo, entregam-nos à fogueira.
O Estado social está a ser desmantelado, ainda ontem levou mais umas machadadas, estão a enterrá-lo vivo.
Falam em repensar o estado social, ser necessário uma reforma fiscal, no entanto deixam que os ricos não paguem a crise, enchendo-lhes inclusivamente mais os bolsos com o dinheiro do povo, ainda agora com o Figo e o Duarte Lima, foi a cereja em cima do bolo. O poder político ligado ao poder financeiro,  empresarial e da comunicação social  têm sido um verdadeiro coveiro do povo.
Não querem encontrar no mínimo, equilíbrios entre os deveres dos ricos e dos pobres e as liberdades em conflito.
Preferem colocar as máscaras da admiração  e do fingimento.
Fazem as leis que não fiscalizam, para não poderem ser cumpridas.
Dizem com a máscara mais sarcástica possível que possuem que "a lei tem de ser seguida por todos, sem excepções", quando se referem ao pagamento de impostos, aos deveres dos cidadãos.
Parece que a peça a  que assistimos é sempre a mesma e representada pelos mesmos, com o título de "Confesso" ou "Actuo" ou "Faço" ou com outro qualquer título que poderia ser de Hitchcock ou talvez não, mas os realizadores são sempre os mesmos, sendo outros.
Colocam as máscaras de não culpados, de culpados são os outros, mas eles sabem que são carrascos, tão algozes e ladrões quanto os outros, os anteriores a eles sempre de que falam e que esse argumento é bem velho.
São uns assassinos que se escondem atrás da máscara de políticos.
Colocam ainda a máscara de compungidos, fechando o rosto e inventando novas coreografias, mas estão com as mãos manchadas de sangue. Escondem-se nas máscaras várias e embora beneficiem da defesa dos adeptos dos espectáculos de morte, defendendo com ardor os seus soldados, os seus generais, porque não conseguem dizer em boa verdade Eu Te Acuso, já que se um dia lá chegassem procederiam de forma similar e porque a Igreja e o clube de que fazem parte lhes ordena  essas atitudes.

domingo, 1 de julho de 2012

BOA NOITE

FOTOGRAFIA DO DIA



ESTAVA A OLHAR PARA MIM DE GOLA LEVANTADA

A HISTÓRIA DOS BOLINHOS

Conheço uma senhora, casada, avó, inteligente, meiga que faz muitos bolinhos, uma espécie de almendrados para dar a toda a gente.
Ela é só por si a generosidade em pessoa. Aposentou-se e rapidamente o fazer e dar bolinhos se tornou um estilo de vida, o seu light motiv.
Chega a toda a gente com os seus bolinhos.
Os bolinhos são muito bons e não há ninguém que não goste e ela faz deste simples facto uma passagem pelo Mundo.
Adora que toda a gente lhe diga que gosta dos seus bolinhos a distribui-os por todos os que conhece ou vem a conhecer.
Não precisa de facebook para "partilhar" o que quer que seja, religiosamente  partilha tudo.
Dá e recebe afectos através deste meio.
Com ela, partilha-se dum estado de espírito permanente ligado à religiosidade que, feitas as contas, afinal tem os seus princípios.
Progressivamente foi fazendo e distribuindo mais bolinhos. Vai uma amiga levar-lhe os ovos caseiros que os trás de 15 em 15 dias de aldeia.
Ao princípio fazia-os ao fim de semana e à 2ª feira dava-os a todos os colegas de trabalho, sem excepção. Agora, depois dos filhos se terem casado e saído de casa, só com o marido, faz os seus bolinhos e distribui, seguidamente.
O que recebe disto? Afecto, lembrança.
As palavras sempre repetidas -"como são bons os seus bolinhos. Dá-me a receita?" e ela dá e explica até à saciedade como se fazem.
Toda a gente a respeita, percebem, de imediato, que estão na presença de uma boa alma.
A fama dos bolinhos passaram a ser o seu passaporte "Conheces os bolinhos da Teresa?", diz-se. Quem não conhece é mais pobre, ainda não foi contemplado, sei lá uma espécie de benção que só ela pode dar.
O seu sentido de utilidade, de tornar os outros felizes, mesmo que duma forma muito efêmera, ou se calhar não tanto assim, porque eficaz.
Não é uma conformada nem o contrário, não é uma irreverente nem o contrário, apenas contribui para o bem estar e felicidade dos outros, nem que seja por escassos momentos. A retribuição: é impossível esquecê-la quando a conhecemos.
Esta Teresa tem fama neste mundo cão e conseguiu com um gesto tão simples, aparentemente, mas tão profundo e tão carregado de dádiva, sair deste espaço em que habitamos, por vezes, para outros arremedos.
Marca decididamente a diferença e vai ficar na história dos que a conhecem pela sua bondade traduzida nos seus bolinhos.
As pessoas vão viajar com os bolinhos da Teresa, se tiverem filhos ou amigos, dão-lhes a provar e toda a gente quer mais porque os afectos viciam.
Uns simples bolinhos feitos com amor, é o seu segredo, fazem recordar uma MULHER, uma mulher diferente, que aguenta bem as incumbências que a vida lhe trouxe. Uma Mulher em que a inspiração está ao serviço dos outros. Uma Mulher que abre portas, distribuindo amor seja por quem a conhece ou não.
Não se serve dos seus bolinhos para pagar favores, são oferecidos apenas e tão só, a toda a gente que ali estiver, como dádiva de si mesma.
A sua biografia vai, por certo, passar pelos bolinhos.
Num mundo naufragado, escandaloso, parco de afectos, consumido tantas vezes pelo diletantismo ou indiferença total, há ainda quem não sendo banal, faça a diferença.
A Teresinha não é uma pessoa banal, quem tem a sorte de a conhecer percebe que está em presença duma pessoa muito especial. Ela é assim, não faz por ser assim. A sua motivação não é fazer a diferença, mas tão só mimar cada pessoa que consigo se cruze.
Indigna-se com o mundo reles e ordinário que a rodeia, analisa a percebe o que se passa à sua volta, mas  na hora de prestar depoimento sobre a sua existência, distribui carinhos, sem pedir nada em troca, ouvindo e acariciando as razões dos outros.
Agora que se fala tanto do empreendedorismo, bem se podia colocar esta história de afectos feita como ideia simpática dum caso desses, se quem a contasse, apenas a observasse pelo lado invulgar e curioso, mas ela disribui bolinhos como outros distribuem poesia e sorrisos por este mundo fora sem nada receberem em troca.
Há muitas figuras singulares, a minha amiga Teresa é absolutamente singular.
Não se pode confundir generosidade com mais nenhum substantivo, dizia-me uma amigo já falecido, porque é muito difícil encontrar alguém verdadeiramente  generoso.
Eu tenho a sorte de ter encontrado muita gente verdadeiramente generosa na vida e entre elas a minha amiga Teresa.
E agora digo eu:  Não é possível confundir generosidade com qualquer outra coisa, porque esta distingue-se à légua.
OBRIGADA TERESINHA POR EXISTIRES NAS NOSSAS VIDAS.