quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

ATRAVESSANDO A TARDE

Atravessar o Inverno podia se chamar este escrito, mas seria demasiado pretencioso.
Para viver é necessária muita imaginação.
O mundo está a cair em fragmentos. Fala-se muito, as pessoas dizem muito, mas às vezes com palavras puídas, cansadas como estes dias de Inverno.
Há palavras que nos impedem a visão, que não são transparentes.
As nossas vidas abrandaram muito e eu sinto-me como a tartaruga perseguida pela lebre.
Lembrei-me de ir tirar uma fotografia à neblina e perdi o rastro aos pensamentos e aos meandros para onde me tinham levado.
E agora vem-me a Síria ao pensamento, o Mali, as famílias dos militares franceses e sinto o coração apertado.
Olho a paisagem que entretanto esverdeou e me leva até à China e lembro-me daquelas cabeleiras de arvoredo, da árvore salisburia adiantifolia, das miniaturas graciosas dos detalhes, das chuvas copiosas, não sei se este pensamento me foi induzido pelas chuvas torrenciais que a Indonésia está a sofrer.
E a memória continua a entornar-se, a dar longos passeios boémios e recordo o Hiyoku - nome de uma ave fabulosa e como uma empregada do Hotel comparava a flor do crisântemo a uma cortesã.
Já estou junto ao Tamisa com um bando de pardais por companhia, atrevidos e cosmopolitas, a depenicar o meu tomate recheado.
Vou em procura de impressões, mas não raro são elas que me procuram, me afagam como seres alados.
Escuto neste momento, os pássaros residentes com manha de trovadores.
O jardim é o chamariz de uma multidão de seres que vêm imprimir vida ao cenário e relembro,  de novo, aquela mulher oriental que me dizia que queria que a sua alma residisse na ponta dos seus dedos e eu não mais a esqueci, com um disvelo absoluto pela memória das viagens, bem como aqueles insectos, botânicos eméritos que sabem de cor e salteado onde as corolas lhes oferecem os manjares  mais capitosos e cheguei à Primavera.
Vejo os pessegueiros a florir, depois as cerejeiras, depois as pereiras.
E voltei aqui, ao meu sítio, pela tarde, pela noite, no Verão quando chegam os grilos, os ralos, as rãs e os sapos.
Vamos deixando farrapos de alma por todo o lado.
Estou em Cuba com aquela Helena fotógrafa que me cobiçava tanto a carteira que acabei por lha dar e lhe pedir um saquito para meter as coisas que levava. Recordo-lhe o estalido de alegria, o mesmo que os meninos na Costa do Marfim faziam quando deles me aproximava e lhes entregava lápis de cores e livros para colorir.
Não, não faltam sítios onde eu passar esta tarde com árvores sem folhas e insectos mortos.
Regresso ao meu país e ouço a respiração do mar e aterro nas enormes florestas de algas do Atlântico, onde por vezes o silêncio é verde e esta luz coada ilumina fundos de poesia e de muito sonho.
Cheguei.

4 comentários:

lua vagabunda disse...

... até eu viajei por todos esses lugares com as tuas belíssimas palavras.

E, como quando gosto de algo o decido mostrar ao "mundo", é o que farei!

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

e mai nada... Bjnhooooooooooooo

agradecida estou

Helena disse...

Muito belo este teu texto. Muito belo, mesmo!

Beijo de boa noite.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

obrigada Homónima, às vezes lá sai um bocadito melhor. Beijinhos