quarta-feira, 16 de julho de 2014

CARTÃO DE CIDADÃ

Nasci à beira dum rio.
Vivo à beira dum rio. Um rio que está na minha casa.
Às vezes pareço um caleidoscópio, basta-me inclinar e estou em 4 sítios ao mesmo tempo.
Vivo a Ocidente da Europa, como vós. Estamos todos aqui a viver.
A falar movemos os lábios de maneiras diferentes, há uns dentes que agarram mais as vogais num movimento quase imperceptível e só depois recolhem as consoantes outros, é ao contrário .
Eu sei como falo umas vezes outras, não.
Ando a parar  para visitar a minha vida e às vezes escondo as palavras e já percebi que é nessas alturas que me chamam boa pessoa.
Comparativamente sou-o. Sou uma boa pessoa, como se diz.
Quando me dispo lentamente e fico com as faces vermelhas impublicáveis, vou descobrindo que não sou assim tão boa pessoa, para o ser ainda tenho que me despir mais do que acumulei ao longo dos anos, ao longo dos lugares.
Houve um lugar onde estive onde  ensinavam coisas muito feias, más coisas, ensinavam como ser má pessoa para se vencer na vida.
Por opção, fui sempre má aluna nesse lugar que se chamava Ministério da Justiça, mas poder-se-ia chamar outra coisa também.
Há 63 anos, vai fazer neste próximo 28, que me vejo ao espelho e ainda não me habituei à minha cara. Continua a ser um mistério.
Às vezes as palavras cansam-me, sinto-me a correr atrás delas e não as apanho. É-me mais fácil encontra-las sentadas ou mesmo deitadas numa folha.
Gosto de palavras como água, limpas.
O mundo aproxima-se do meu rosto, na maioria das vezes aparece-me o silêncio primeiro e só depois sinto o medo.

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