Ando em maré de releituras. Há uma época do ano em que isto me acontece sem eu saber porquê.
Tenho mais de 1.500 livros por ler, uns por um motivo outros por outro e acompanha-me a esperança de os ir lendo, reduzindo o número dos não lidos.
Uma vez uma amiga, advogada, perguntava-me qual era a minha forma de comprar livros, de os escolher e de acertar, se lia as críticas, se era por referência, etc.
Fiquei espantada com a pergunta que nunca se me tinha colocado. Pensei alto e fui-lhe respondendo:
Não sei, nunca pensei nisso.
E ela insistia, é pelo título, é pelo autor. E eu continuava a pensar, tentando descodificar a verdadeira razão.
E ela entretanto ia avançando dizendo que no caso dela, era quase sempre por referência de amigos ou revistas da especialidade, se eu lia as críticas literárias e as recomendações nas revistas e depois encomendava na livraria.
Dei comigo a responder, talvez uma vez ou outra mas raramente, se calhar até folheio ao acaso as páginas do livro que li, que me disseram, sei lá, mas não é por isso que o compro.
Então dizia ela, como os adquires, como sabes se vais investir bem ou não? Pelos temas, motivações, interesses?
Sem dúvida, afirmava-lhe: para mim, em primeiro lugar está o romance, gosto que me contem histórias bem contadas, fico ali pregada ao livro, depois o ensaio, quando me sento à mesa a sublinhar, tenho necessidade de perceber o que os outros percebem das coisas do mundo, a poesia em simultâneo e, claro, a filosofia sempre, os fenomenologistas quando me sinto mais atrapalhada para compreender as coisas da vida acalmam-me um pouco e Platão quase como um dicionário; quanto aos livros técnicos e quejandos, vou comprar os que me são referenciados sabe-se lá por quem e onde.
E rematava: não te sei dizer mais nada sobre a matéria e ela insistia - mas lês os livros até ao fim, por onde começas? Não achas que gastas dinheiro mal gasto a comprar uns em detrimento de outros?
Nunca se me tinha colocado a questão, mas aprofundando e devo-lhe a ela isso, achava que não, se bem que alguns não os acabava, outros demoravam um ano, dois, três e mais à espera de vez para serem lidos.
Se fosse hoje esta conversa, ter-lhe-ia respondido duma forma muito mais sucinta e precisa: tem a ver com o estado de espírito.
Já que possuo espírito eclético em tudo e na literatura também, gosto de experimentar novas literaturas e autores.
Quando saio para as cidades, frequento livrarias e às vezes levo lista de compras mas esqueço-me sempre disso para falar verdade. Compro livros quase ao quilo (o meu pai dizia sempre - tem cuidado com o peso- na última fase da vida ele dizia que não queria livros pesados, como o entendo neste momento quando leio na cama e a coluna relincha).
Também acrescentaria à minha resposta se fosse hoje a pergunta: compro 3 de novos autores, melhor dizendo, que nunca li e 4 'antigos', i.é, que conheço e, acabo sempre na literatura que hoje já se chama clássica. O prazer máximo vem quase sempre daí, mas é verdade que alguns novos também me oferecem prazer semelhante.
Então em que ficamos, Helena Maria?
Verdade, verdadinha, os livros vêm ter comigo. Frase feita, frase feita!
Mentira, é absoluta verdade. Ainda ontem, à noite, cansada, tinha acabado a leitura dum ensaio interessantíssimo aliás, restava um bocadinho de espaço de leitura para começar a dormir. Fui à minha biblioteca que se encontra na cave e depois de deambular pelas prateleiras, claro que não me dependurei na escada para lá chegar acima, mas fui andando, pegando em livros não lidos, livros lidos há muito, sei eu lá bem (tudo está organizado de forma temática e onomasticamente, só parei no Idiota, ainda por cima em três volumes do Dostoiévski, recomecei a lê-lo na cama. Tão longe estava e que sabor, um prazer antigo que veio à tona, ainda escrevo isto sob o efeito.
Porquê O Idiota?
Foi Dostiévsky que me fez trazê-lo para a intimidade do leito, ou a palavra Idiota? O ter relembrado um prazer antigo aquando da sua primeira leitura, quando era jovenzinha.
Não sei responder, não sei mesmo. Poder-se-ia dizer: FOI DE TUDO UM POUCO.
Não é disso que falo, o que determinou o acto de pegar nos volumes e trazê-los para cima?
Quando comecei a escrever isto, também não sei explicar o porquê, já que quando me sento à frente do meu diariozinho aqui e com tantas coisas na cabeça a quererem sair ao mesmo tempo, atropelando-se, não sei o que vai sair, é ao correr do teclado e a maioria das vezes, quase sempre, sem ler de novo.
Mas neste preciso momento, sei uma coisa, diariozinho, acho que sei, se calhar fui buscar O IDIOTA, por me sentir uma idiota chapada, nunca me senti tão idiota como agora, tão fora deste mundo, em que toda a gente sabe tudo e explica tudo. Já li 100 páginas diariozinho e tive que me obrigar a levantar senão ficava todo o dia ali 'no choco' com o Dostoiévski.
Convidei-o para tomar um café e lá vamos nós. Vou levar o chapéu de palha de abas largas, no caso de pararmos pelo meio do caminho em altas discussões como é meu costume (risos dele e meus).
4 comentários:
Há questões, cara Helena, como aquelas que a amiga lhe colocou, para as quais não encontramos uma resposta lógica, faz parte da condição humana, não?!
Neste momento tenho uma certeza, e que me deixa muito triste: como é que estive, recentemente, em Florença e não me lembrei de ir visitar a casa em que "nasceu" o Idiota? Nem sei se casa se pode visitar, nada! Há esquecimentos imperdoáveis!
Continuação de bom Domingo, de preferência na companhia do Idiota, mas desse, porque dos outros?...
Beijinho
Pois estou, estive com o Dostoievski, acho-lhe um piadão. Esteve a falar-.me da sua epilepsia, julgava que eu já não sabia, da sua prisão. Falei-lhe do artigo que o Freud escreveu sobre o parricídio, aliás Dostoiévsky e o parricídio, claro que ele não conhecia e ficou muito calado. Vou ver se consigo novo encontro com ele, vamos lá ver :)
É provável!:)
também acho :)
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