sexta-feira, 2 de outubro de 2009

ONTEM FAZIA ANOS O MEU AVÔ




Muitos anos se estivesse vivo, cento e muitos. Nasceu ainda no séc. XIX.
Chamava-se Fernando e era espanhol por nascimento, já que sua mãe era espanhola. O pai era português, jornalista no jornal Primeiro de Janeiro. Um homem todo janota e de cabelo comprido.
O meu avô gostava de ópera, muito, e gostava também de fazer paciências.
Quando eu era pequena, na idade de aprender a tabuada, era ele que ma ensinava, cheio de paciência.
Foi ele também que me ofereceu a primeira caneta de tinta permanente, hoje uma caneta de colecção. Fiquei tão contente na altura, que orgulho tive por merecer a minha primeira caneta. Era linda, linda. Também já tinha sido ele a fornecer-me os cadernos com linhas e quadrículas, com capa finíssima, parecia quase de seda. No outro dia adquiri cadernos desses num antiquário, caríssimos, mas valeu a pena.
Também foi o meu avô que me iniciou no vício do queijo da serra, em especial do curado, daquele que sabia a sabão.
Jogava o dominó com ele e as cartas, além de dizer poesia.
Ele sabia vários poemas de cor e ensinava-nos, a mim e ao meu irmão.
O meu irmão dizia um que era assim:

"Ingrata, pérfida e má
E não digo vos mais nada
Que o melhor fica-me cá. (e levava a mão ao peito com uma força tal que quase caía)
Mas ainda assim tenho pena (continuava muito sério, de cima dos seus seis anitos e por detrás dum sofã da sala, que tinha passado a ser o seu palco)
E confesso com desdoiro
Que era uma linda pequena
Capaz de encantar um moiro.

Só sei que
Não merecia
Ser por ela desprezado
Mas hei-de vingar-me um dia
Se um dia for deputado!
...


E das brumas da memória, todos os anos no dia 1 de Outubro, pelo menos, falo com o meu avô e lhe digo: "Lembras-te vô da Dona Sécia?

"A Dona Sécia conhecem?
Uma dama anafada
...
E de penteado liró
Entra no mar
...
Solta um grito
Sai magra como um palito
Sem carmim e sem liró ou chinó

...

E (terminava ) em chinó, pois então! Será?

Estes versos dizía-nos ele, para nos fazer rir.
E nós repetíamos, repetíamos e fazíamos muito gestos exemplificativos.

O meu avô vive na minha memória.
Até à próxima, vôvô!

1 comentário:

Mariana disse...

Gostei muito de ler sobre o avô.



Muito havia para se dizer, mas não chegam as palavras, o melhor é ficarmos com as lembranças na nossa memória.
beijocas grds