sábado, 3 de abril de 2010

SOBREVIVERMOS A NÓS PRÓPRIOS

Como travar a vertigem de desaparição sem desvirtuar a nossa autenticidade ou sequer submeter a focalização das partes a uma finalidade pré-concebida, dominada por uma sucessão temporal forçada dos acontecimentos.
Não nos podemos atar ao cadáver da juventude e ficarmos marcados por este estigma.
Nesta sociedade do detergente, como já alguém disse, capaz de abortar todos os dias, incapaz de sobreviver a si própria, cabe a cada um de nós, aprender a conviver com as vivências passadas, presentes e futuras.
Há que continuar a luta, estar vivo e como dizia a outra "estar vivo é o contrário de estar morto".
Recebemos muitas ondas de choque na vida e o envelhecimento, as partes de nós que já não se alinham como antes, fazem parte dessas ondas impactantes, acontece porém que ao mesmo tempo que isso sucede podemos também fazer um esforço de contemporaneidade e aproveitar o ecletismo, a nossa tendência natural para sermos livres, para mais livres sermos ainda nas nossas escolhas.
Deixarmo-nos de vidas concêntricas, tangenciais e aproveitarmos para lhes passar uma tinta invisível.
É difícil? Claro que é.
Viver a vida é difícil. Só a acham fácil os idiotas ou quem não a vive.
É não ter medo de ser piroso.
É achar que as nossas melhores qualidades são quase sempre os nossos piores defeitos.
É repudiar o discurso pedagógico.
É despertar a obrigação de viver.
É não nos desinteressarmos de nós e abandonarmos moralismos.
É sermos corteses com o coração.
É partir do princípio de que o costume é uma segunda natureza que destrói a primeira.
É tornarmo-nos passageiros efectivos da viagem que temos pela frente.
É lembrar Roland Barthes em "A Câmara Clara", "seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja o modo, uma foto é sempre invisível: não é ela que nós vemos".
É portanto desapropriarmo-nos de nós próprios e parecermo-nos com todas as pessoas, excepto no facto de nos parecermos com elas.

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