quinta-feira, 1 de abril de 2010

COMO ME ENVERGONHO E RECONHEÇO

Frequento estações de comboio e comboios porque gosto muito deste meio de transporte, o meu preferido.
O que eu não gosto é ver nos bancos das estações, gente excluída e que se exclui, sinto-me envergonhada. Fico aflita e interrogada.
Custa-me aguentar a ideia que gente da minha terra, do meu mundo se precipite nos buracos do tempo, seja engolido por sociedades tão silenciosas e distraídas às vezes. Tenho a tendência quase impulsiva de entabular conversa com essa gente, como para dizer estou aqui, sou igual, podia ser eu, é tão fácil estar desse lado.
Por muito que se queira ignorar, não é possível ignorar em absoluto.
Penso na grande ideologia actual - o silêncio.
Os sinais são bem visíveis. Atravessam-nos, mas ninguém ou quase ninguém mexe uma palha é como que não compreendêssemos o que vemos.
O retrato está ali, a fotografia nossa impôe-se, não engana, mas parece que metemos entre parêntesis o que vemos, que fechamos à chave os nossos olhos, coração e cabeça.
Engolimos os discursos do poder e deixamos intermitente esta comunicação da vida, das comunidade onde vivemos.
Todos somos sobreviventes, todos tentamos esquecer.
Ficamos uns perante os outros. Uns com o desemprego, o filho drogado, a dívida da casa e do seu recheio, outros com o céu como tecto e a incerteza do amanhã, do minuto a seguir como companheira.
Olho em redor, vejo mais gente sentada, à espera do comboio, sou capaz de imaginar todos os pontos de vista de quem está ali sentado e de lhes atribuir papéis correspondentes.
Ponho-me à escuta, mesmo quando estão calados, eu os ouço, ouço-os mais perto do excesso, da insensatez, da insignificância, da murmuração, do pedido de perdão.
Fica difícil pensar, concatenar ideias.
Sinto que todos estamos abandonados no mesmo local, embora simulem alguns altivez outros, humildade.
Gente que se anula numa banalidade sem apetite.
Dou comigo a coleccionar pormenores, para evitar ser tragada pelos sentimentos, fixo-me na revista que aquela folheia, o jornal gratuito que aquele senhor tão empenhadamente lê, o teclar rápido do telemóvel daquele rapaz, os segredinhos que a adolescente diz a amiga, o debicar, o comer às migalhinhas do pão da mendiga que se encontra em frente a mim e o seu jeito de quem quer tudo no seu sítio, nos olhos e sapatilhas de marca e sujas do toxicodependente ao meu lado e por fim olho o relógio e vejo a hora do comboio e recordo a arte de fingir que cada um de nós carrega.
O fingir faz parte do tornar-se verdade sabem-no os educadores.
O erro e o horror -começa quando o movimento se bloqueia, já não fazem mais nada a não ser fingir, e não o sabem os pasmados, ou sabendo, insistem os cínicos. Ou então sabem, sofrem, matam-se ou procuram um psiquiatra os pacientes.
Acabo por pensar sempre o mesmo quando me confronto com estas realidades que me provocam esta tristeza profunda, é um pensamento antigo e recorrente e que julgo ser a única forma que vale a pena, é AGIR para deslocar o lugar do poder.
É urgente aproximar a autoridade da base.
Sinto uma espécie de dilatação cósmica à escala individual.

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