sábado, 28 de novembro de 2009

A DESENHAR



Se fosse possível ver as nossas vidas de longe como vemos a das biografias, tudo era contínuo, em linha recta.
Mas a vida que nos pertence, é por nós vista como um traço descontínuo.
Vamos desenhando a nossa vida, apondo mais pinceladas, mas como não é duma tela que se trata, não nos podemos distanciar para poder desenhar e pintar com maior precisão e beleza, traço a traço, as impressões que queremos que figurem na tela.
Estamos dentro da vida, por isso não vemos bem o quadro. Estamos demasiado perto, não distinguimos as imagens, apenas um conjunto de traços.
Vivemos em trânsito.
É do fundo de nós que construímos ou desconstruímos conforme as necessidades.
Não podemos recriar a vida como se recria um texto, apagando episódios, retirando parágrafos, colocando vírgulas, como se faz quando se escreve ao computador, mas podemos reordenar o texto, trabalhar na síntese.

No meu caso, vou dedicar-me, na tela da vida, ao cantinho da memória.
Agora queixo-me da falta de memória, mas se recuar nos tempos, ela nunca laborou com afinco, mas se a comparar com a de alguns dos meus contemporâneos jovens que a têm em tão mau estado que chegam ao ponto de pensar que o mundo é da mesma idade deles, então posso considerar-me uma privilegiada.
Como a nossa vida está sempre em recurso, podemos e devemos acrescentar-lhe mais alguns pontinhos . Estou a lembrar-me do desenho impressionista de A. Durer.

Hoje, sugiro que o façamos através da memória, que nos agarremos à memória viva.
A memória mantém-nos vivos e tem entre muitas outras virtudes, a de suscitar questões e respostas que suscitam outras questões e fazer com que as palavras dos homens nunca consigam esgotar os infinitos sentidos da outras palavras, das dos tempos, das que vivemos, vimos e observamos.
A nossa vida é uma obra inacabada e a memória também.
Precisamos da memória para prosseguir no diálogo.

Sem comentários: