terça-feira, 5 de agosto de 2014

PESSOAS COMPLETAMENTE MORTAS

Há pessoas mortas e que não sabem.
Ontem vi alguns mortos no comboio, lembro-me de duas mulheres que falavam entusiasticamente do vestuário duma locutora da sua preferência.
Há pessoas que têm cara de chuva, mesmo  com muito sol e que têm odores de cemitério.
Gosto de gente com cara de sol completamente viva, mesmo quando chove.
Quem não procura se calhar não encontra ou encontra?
Tantas duvidas.
Sou mordida tantas vezes, sendo as que sou por melgas as que menos interesse têm.
Sinto-me pateta muitas vezes e não por estar feliz.
Não sou calma mas gosto da calma.
Por onde andam os meus pensamentos que não os agarro?
Agarrei agora um: lembro-me daquele casaco comprido vermelho de godés que tingiram de preto por ter morrido o meu avô.
Sim, apanhei outro e recordo da alegria que senti no 25 de Abril e naquele  maravilhoso  alívio em que já não seria presa, nem eu nem os meus amigos e, naquele sentimento  de ter julgado que tinha acabado o jugo do fascismo e que tínhamos sido libertados enquanto povo e, depois quando fui comemorar com toda a cidade e arredores o 1º de Maio em liberdade, já que num outro, meu pai tinha sido preso e eu perseguida pela guarda republicana a cavalo e chegado a casa toda azul. Azul de metileno dizia a minha mãe, tudo para o lixo.
Às vezes ausento-me de mim, só não sei se é porque não me apetece encontrar em certos dias, naqueles em que faço muitas perguntas e quase me submeto a um interrogatório.
O mundo está de pernas para o ar e não consigo fazer o pino.
Cada vez conheço menos as pessoas tenho a certeza disso, apenas as infiro.
Cada vez percebo menos de tudo, até mesmo porque os outros percebem sempre  tudo e fico sem entender o porquê. Fico assim, como que entalada.
Experimento muitas vezes saber mais um bocado e fica-me a doer a cabeça; nessas alturas costumo ler que me faz melhor que passar a ferro, que  me faz dores de costas.
Sempre esperei toda a minha vida. Primeiro pela Liberdade, depois pela felicidade, mas continuo sem nenhuma vontade de olhar pela janela a ver o mundo passar, nunca esteve nos meus planos, talvez porque tenha medo de ficar sentada à espera, a esticar o tempo até à sua ruptura.

Sem comentários: