quarta-feira, 26 de novembro de 2014

UM POUCO DA PROSA DE FIALHO DE ALMEIDA

Fialho de Almeida gostava da Galiza e foi visitá-la algumas vezes. Escrevia num caderninho as suas impressões de viagem. São 14 esses caderninhos das 5 viagens que fez a estas paragens.
Aqui deixo três parágrafos, retirados ao acaso, duma dessas viagens (1905).

"Não me canso de olhar o mar. Como não amar estas costas pitorescas e estas águas tão puras, banhando este país tão desgraçado!
Na maré baixa descobrem-se as pedras da costa, e todo o percurso da estrada de A Guarda, desde o mar fundo até aos parapeitos da estrada, pedras enormes, roladas, fazendo montes, atiradas para o fundo de covas que elas encheram entre massas enormes de rocha puída, ravinada, cheia de sulcos e veios, ou fazendo morros ou promontórios, que a acção das águas gasta, e resistem há séculos; ou ilhéus de pedra, altos, ainda cercados de água, e que ficam cobertos na maré alta, onde a vaga se atira, deixando as ravinas todas cobertas de cascatas. Quando os rolos se formam, mesmo a distância, a água é límpida e azul como um soluto de sulfato de cobre, vista assim à transparência do sol, ou mais pálida, cor de vidro e garrafa, junto das pedras, nos fundos menores, e resolve-se em espuma deslumbrante, e reflui, deixando poças límpidas, em cujo fundo as algas bolem como vivas.
Na baixa da maré, as mulheres e crianças recolhiam algas para as secarem nos sítios altos e venderem para adubo, como entre nós. É um mar mais azul ainda do que o do Algarve.  Quando o rolo se forma há um brilho  de cristal na água. Que capricho nas ondas, que bravura! Que saúde e que galhardia! No encher da maré há como uma alegria de peitos novos que respiram e saltos de adolescência, e haladás de bocas hercúleas, virginais, de walkirias que batem o record da força épica! Os saltos da água sobre as pedras são como os de quem apoia a ponta do pé, e alça os rins num voo atlético, salvando a dificuldade sem a tocar nem ofender."

1 comentário:

GL disse...

E que belo excerto, este!
Cada vez mais, há medida que o tempo passa, me confronto com o deslumbramento, com a beleza da prosa, deixando num segundo plano a poesia.
Fases da vida? Não creio! Talvez um maior prazer na palavra despretensiosa cabaz de nos transportar a caminhos de imensa beleza.
Obrigada.

Abraço.

Abraço