terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ELE É ALGUÉM




Ouve-se:
É um homem com sorte. Conhece gente importante, veste bem, frequenta bons restaurantes e conduz-se em bons carros, além de beber bons vinhos e nem sempre usar o mesmo relógio.
Deve ter uma caixa, pelo menos, de relógios de colecção e de quando em vez coloca um, dá-lhe prazer em especial que os outros se foquem num pequeno objecto que teima em que faça parte da sua pele.
São os extraídos dos contos de princípes. Usam normalmente, botões de punho e se assemelham a astros de cinema, sejam feios ou bonitos, baixos ou altos. Às vezes escrevem livros com 3 ou mais edições e dão conferências para ensinar os principiantes a ter sucesso.
Falo de personagens que estão metidas no drama, no drama dos despedimentos colectivos, no drama da falência dos bancos.
Cheios de pose, cometem actos criminosos discretos. 'Não é que eles queiram cometê-los mas são obrigados a isso, não foram eles que criaram a crise, eles apenas querem manter os seus relógios na caixinha, a sua colecção de botões de punho que nem sempre usam, não se vá perder algum, o seu gosto pelos vinhos tintos raros e manter o alfaiate de há anos, claro, e... trocar de carro familiar de 2 em 2 anos, no fundo, apenas e tão só, manter o seu estatuto de gente bem instalada, pois até aí chegar não foi fácil que a vida não é feita de rosas e mesmo as rosas têm espinhos'.
São protagonistas do filme da recessão, mas recusam a participar nas festas de despedimento colectivo.
Eles apenas são assalariados convidados, em final de carreira, com atitudes e voz humanas e suaves como convém, para chamarem os trabalhadores e ainda os comoverem com o seu próprio despedimento.

Não se pense que é só na América que isso acontece, acontece por todo o mundo, dito civilizado. Chama-se civilização a isto mesmo. Despedir com pose, com bondade.
Acalmar a matilha dos desempregados e, se possível, manter os metediços (imprensa e alguns políticos) arredados do drama.
Estas funções têm que ser bem pagas, só actores as desempenham de forma elegante.
As entidades patronais quando se deslocalizam, anunciam insolvências ou falências, não têm tempo para perder com estes pormenores, leia-se: vidas humanas desfeitas. Estão noutra, noutras actividades bem mais interessantes e importantes, como seja a de lançar indústrias (as mesmas) noutros mundos bem mais carentes e que deles mais necessitam.
E depois... é tão bom chegar a uma terra e o presidente da Câmara, o Ministro da Economia e/ou, o próprio Primeiro Ministro, fazerem uma festa com as televisões presentes, anunciando que a empresa tal e os senhores Sicrano e Beltrano, são os salvadores da região, da pátria, que vão empregar 2OO/3OO ou mesmo 100 trabalhadores indiferenciados e mal remunerados que se assim não fosse teriam de ir pedir ao estado, nas ruas ou praticar o crime.

Como é bom ouvir estes discursos de governantes locais."Coitaditos, ficam tão agradecidos por poderem continuar nas suas funções com scores eleitorais de vencedores e bem vistos pelos seus concidadãos".

Não há tempo a perder, quase não têm férias, por isso preferem pagar, quase sempre principescamente, a "colaboradores/gorilas", por este trabalho. Eles são recrutados porque além de tudo sabem dizer:"porreiro, pá!", embora bem cheirosos podem casualmente deslocar-se até à tasca dos petiscos com o trabalhador dizer-lhe que bom que é quando a empresa revigorar, se tornar mais saudável com a ajuda de todos.

Estes colaboradores são recrutados para que os patrões evitem de pôr "a mão na massa". A sua imagem tem que ser preservada porque têm que continuar a criar emprego, leia-se fazer fortunas, explorando, mas desta vez bem longe dali.

Tudo tem um fim, não é verdade?
Quem ditou o destino?
"Não foram os partidos políticos, ditos de esquerda? Os sindicatos? Os governos que não sabem governar?"
"Claro que foram". Então, há que salvar o que há para salvar e o mais importante de tudo, são eles mesmos, os criadores de emprego, os salvadores das classes trabalhadoras, sem eles não há economias saudáveis, não há vida.
Já contribuíram e deram para este "peditório", para esta terra, para este país, agora vão "ajudar" outros que precisam, leia-se: que ganham uma côdea e não têm sindicatos nem partidos que os defendam. Esses sim, precisam de ser ajudados e eles são uma espécie de cruzados da era moderna.

Quanto aos liquidatários que é disso que se trata, dos economistas ou gestores que convidaram para liquidar a "empresa" de forma doce... esses, se fizerem uma vez bom trabalho (= trabalho limpo, discreto, não ondulante), i.é, que os trabalhadores saiam minimamente satisfeitos com o subsídio de desemprego e convencidos que não podia ter sido doutra maneira, que o Sr. Dr. que veio para conseguir manter a empresa a funcionar fez tudo que estava ao seu alcance, leia-se: não gastou milhares de contos a indemnizar trabalhadores poupando uma quantia invejável à empresa. Esses, dizia eu, se conseguirem tudo isto vão ser chamados tantas vezes quantas as empresas a liquidar e até morrerem terão sempre liquidações para efectuar. Poderão pois, fazer as férias que desejarem, arranjar as mulheres que pretenderem ou mesmo não pretenderem porque o seu estatuto de pessoas com sucesso anda a eles colado. A sua marca é: AQUI VAI UM HOMEM DE SUCESSO.
Aquele que pode comprar certos luxos e que é admirado, não raro, por quem ele despediu. É a vida!
Vida em que a ficção não consegue ultrapassar a realidade.

3 comentários:

SEK disse...

És muito cáustica, irónica, mas mexes na ferida com força. Ainda bem, sem paninhos quentes.
Só não percebo "Quem ditou o destino?
Não foram os partidos políticos, ditos de esquerda? Os sindicatos?..."
Porque tiras os partidos de direita e as entidades patronais deste saco? Não são todos culpados?

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Claro: as entidades patronais e os partidos de direita estão metidos no saco, sendo os actores principais, mas não é assim que as associações patronais e os empresários que deslocalizam as empresas, pensam.

SEK disse...

Tens toda a razão. Interpretei mal este parágrafo. Todo ele é ironia e eu fiquei-me pelo que estava escrito, sem perceber o sarcasmo. Será que me assustei?