terça-feira, 26 de janeiro de 2010

EM SEGUNDA MÃO




Agora todos se refugiam no nós majestático assim chamado, ou na 3ª pessoa do singular, trata-se de conter, de dizer através de outros, indirectamente. Precisamos dum filtro, de uma mediação.
Somos ladrões de outros. Roubamos o destino dos outros, dos que escreveram livros como Homero ou Kafka ou tantos outros. Nunca descemos aos abismos, ao poço.
Porque necessitamos de escrever, porque nos tornamos seres obscuros?
Parece que a vida se torna fugidia, intermitente, enganadora e com paciência, tenta-se agarrá-la na tentativa que ela se demore.
Na e pela escrita, podemos passar de deuses a demónios, ser heróis ou santos, génios ou apenas personagens de epopeias ou quedas. Sermos um símbolo, uma imagem ou um rito. Construimos e destruímos o mundo.
Quando se escreve também se lê e um leitor é tudo isto porque ao ler os textos destrói o mundo que foi construído e destruído para ele ler.
O leitor é também conjuntamente com o escritor, um construtor e como ele um usurpador.
Ilumina ou obscurece a "realidade" do texto.
A sua percepção do texto lido incide que nem raios de sol numa ou noutra zona, penetrando nela, deixando outras zonas permanecerem na sombra.
Acontece com o texto aquilo que acontece connosco na vida. Uns são o sol e outros são a lua.
Tantos livros, tanto texto escrito, contemplamo-lo nos escaparates da biblioteca ou da feira, como que esculpidos em calcário, mas eis que um é iluminado pelos raios de sol inexistentes enquanto os outros ficam abrigados na sombra. Então vemos a sua irradiação e inclinamo-nos em silêncio para ele procurando decifrar uma história mais lenta que a nossa.
Aí o tempo começa em minutos fora do tempo, vemos o tempo começar.

1 comentário:

SEK disse...

A tua pergunta levanta-me muitas dúvidas. Gostei deste papel do escritor/leitor.
Fazes pensar, isso é óptimo.