domingo, 31 de janeiro de 2010

GENTE QUE A GENTE CONHECE




Ao longo da vida conhecemos quantas pessoas? Muitas mesmo!
Algumas caras passaram. Quantas esquecemos? Nomes que fechamos à chave? Quantas ficam?
Das que ficam quantas se perdem?
As pessoas passam a ser raras.

Às vezes vimos passar as nossas memórias nos sonhos, a bailar umas vezes outras, como que penduradas num fio feito por qualquer aranha artista.

E conforme desfilam as boas ou más assim acorda o nosso humor matinal.

Passam às avessas, da frente para trás, desdobradas entre luzes a tremular ao longe, mas também são capazes de atravessar a lua para sempre.
Quase sempre acordamos por completo, embora em algumas circunstâncias gostássemos de permanecer no sonho.
O sonho essa irrealidade tão real!
Quando acordamos e passamos um certificado a algumas delas é que não há remédio para o silêncio que se faz de seguida.
Onde está aquela e aqueloutra pessoa que trabalhou connosco no ano tal? Que será feito dos filhos de que falava com ternura? E aquele apetite notável que tinha sempre cicrana que era capaz de comer não importa o quê? E os problemas de coração continuarão a atormentar, como se chamava, era João, agora me lembro.
Lembramo-nos de X que já no liceu falava sempre que alguém falava, não se importando com o que diziam.
Fantástica a doçura da voz da Isabel, parecia um poema de amor, mesmo nas discussões.
Sonhos precisos estes em que nos aparecem as pessoas tal e qual as conhecemos.
Apareceram os que se julgavam ter esquecido. Apareceram todas, perfiladas, como que a apresentarem-se.
Perguntavam porquê. Porque tinha sido assim, cada uma ido para o seu lado e nunca mais souberam nada uns dos outros, porque é que ficamos amigos de uns e indiferentes a outros?

O sonho tropeçava em nós, quase sufocados, resolvemos regressar ao lugar onde estavamos e o mais interessante talvez, é que surgiam cenas neste écran onírico que tinham sido moderadas nos nossos ressentimentos ao longo de anos.

Acordamos, meditamos sobre as armadilhas que o destino tece.
A vida exige-nos a manutenção do bom humor, mas não se importa com os custos disso.
Mas o sonho não permitia muitas tréguas e continua a reinar.
Revimos os projectos que ficaram por cumprir (muitos).

Desta vez, éramos (no sonho) um médico ignorante a entreter os seus pacientes com três ou quatro remédios para nos esquivarmos de alguns trabalhos com a maior elegância.
Continuamos a flutuar docemente pelo espaço, um pouco aturdidos porque o tempo ía e vinha, não era cronológico, aparecia o futuro antes do passado e o presente ora vinha depois ora antes ou no meio.
Nestes horizontes oníricos, a realidade era terrivelmente honesta.
Víamos claramente que abandonamos, esquecemos, pusemos de lado, pessoas que se calhar, não eram para abandonar e fomos declinados por outras de quem gostávamos.
Fizemos demasiadas "arrumações" e queimamos "coisas" que se calhar não eram para queimar.
As memórias desenrugavam-se, surgiam claras e o futuro estava ali como que à superfície do mar e começava a voar, em flocos brancos.
Não havia regras nos nossos sonhos. Alguns deles eram recorrentes é verdade, como aquele em que voávamos sobre as escadas sem as descer.
Não queríamos acordar, queríamos perguntar ao sonho porquê, porque era assim. Tanta gente que nos escapa como a areia da mão quando estamos na praia da nossa infância.

Porque ficamos com certas pessoas, porque quando envelhecemos já não chamamos amigos a todos, porque eram tantos e agora são tão poucos? Porque as visitas se tornam tão raras?
Porque é que o cérebro voou para este assunto?

Ficamos então naquele interim, naquele limbo em que não estamos verdadeiramente acordados nem a sonhar, a tentar dar a resposta, mas esta não saía e, muito menos, ordenada como sempre exigíamos.
Uma certeza porém tínhamos, antes e depois do sonho, éramos inquilinos. Inquilinos do sonho, da vida, das circunstâncias, mas a verdade é que já muitas vezes tínhamos visto o arco-íris e continuávamos a vê-lo a atravessar a lua.

1 comentário:

SEK disse...

Gosto muito deste texto. Muito bem escrito e, mais do que obrigar-me a pensar, faz-me concordar com ele. Sentir, profundamente, o que escreves. Obrigado!