sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

APETITES



Apetecia-lhe deitar fora os cheiros das recordações. Esses que habitualmente tanto gostava de guardar duma forma quase religiosa.
Queria acabar de crescer. Nada de espaços gordos, apenas espaços vazios, lisos. Toda a vida tinha balançado entre uns e outros.
Não queria oferecer o mais difícil, os fragmentos da sua vida, a memória, tão só entregar em mãos, o que não conhecia dos seus próprios juízos, coisas com importância, afinal!
Queria limpar-se das coisas, ficar rica de outros saberes, fluir, limpar-se de temas e de faladores.
Queria ser um vinho novo que apenas embebeda, sem grandes aromas e corpo, apenas com uma bonita cor.
Queria ver dispensada a voz, emigrar da infância, da juventude, de si, mas sabia que ía ser difícil, porque reconhecia que gostava muito de palavras e conhecia claramente os perigos e as falências do sonho.

Ainda não tinha perdido a curiosidade e esse sentir revelava-se perigoso.
Gostava muito de ser surpreendida e nem tudo o que era novo não lhe interessava.
Depois lembrou-se de varrer. Varrer era uma cruzada para muita gente, levavam nisso a vida inteira, como se o lixo fosse o mal.
Mas conforme se lembrou, logo desistiu da ideia, dessa actividade que lhe provocava dores.
Até agora tinha feito, melhor ou pior, face a todos os rasgões da vida, mas a partir de hoje o que queria mesmo era evitar rasgões, para isso tinha que confiar nos sentidos, pedindo-lhes para que evitassem dar muitos laços.

1 comentário:

golfinha disse...

Não deites fora as recordações!
Pois são o único bem precioso que nós temos e que guardamos só para nós, mesmo elas não serem por vezes muito boas, fazem parte da nossa vida, da nossa história!
Eu penso, que quando mais velha for ficar, mais conhecimento e vivências vou ter desta vida, vou poder partilhar com os mais novos e não só… as minhas experiências e os meus gostos e também vou aprender a ouvir mais os outros, mesmo que ache que eles não tenham razão nenhuma. Isto pode parecer-te que é só blá blá blá, mas acredita que é o que eu penso.
Se de todas as pessoas passadas pela minha vida, eu recordar alguma coisa delas, mesmo que seja uma pequeníssima coisa, é porque elas me dizem alguma coisa, agora se não tiver quaisquer recordação delas, aí sim é porque passaram por mim e não me marcaram e muito menos, não me dizem nada, que pode ser bom como pode ser mau….
Se eu pode-se escolher o que queria ser: escolhia que era um golfinho nas magnificas aguas límpidas e transparentes e fazia tudo que esse magnifico animal faz!
E mãe confia nos teus sentidos….!!!

Cada um tem o seu cabide de simplicidade, uns mais de que outros e TU TENS O TEU.