terça-feira, 5 de junho de 2012

MOMENTOS

Há palavras matreiras, que só sabem rodopiar ao vento. Quando estou quase a conseguir apanhá-las, são levadas de novo e fintam-me vezes sem conta. Enganam-me.
Apanho-me desprevenida de vez em quando. Fico desenquadrada do ambiente, desavisada e sorridente. As palavras escapam-se-me por entre os dedos.
Fogem a sete pés ou esgueiram-se.
Enxoto adjectivos.  Desactivo-me temporariamente.
Receio as palavras, mas também me alegram, quando são proferidas por outros.
De pé, orgulhosa, parada, não sei se triste se contente, porque não me vejo, apenas me percepciono.
Os dias entretanto fazem-me olhinhos, enquanto as portadas se espreguiçam.
Aguardo um Presente feito de Passado e de Futuro. Aguardo que um dique rebente, que inunde tudo à sua passagem, ensopando tudo, numa torrente inevitável.
Aguardo no ar que farejo como um perdigueiro que tudo volte a acontecer.
Daqui olho o céu sem vestígios de limites que é um bom exercício para nos limitarmos ao que temos.
Brinco comigo e com toda esta pesca de arrasto que a vida parece ser. Brinco comigo, porque me vejo excessiva e ridícula a querer o Presente e o Futuro, de modo tão perdulário, quanto inútil.
Brinco com o Passado, o Presente e o Futuro, e com toda a conjugação verbal, o perfeito, o imperfeito, o mais-que-perfeito, o condicional e todos os particípios.
E com os gerúndios, parece que já não se chamam assim, mas tempos houve em que os polvilhava com especiarias.
Há momentos em que conduzo o Futuro a sítios bonitos, como cidades com museus e magia, jardins secretos. Ali entabulo conversas, contradigo-me, acotovelamo-nos e eis que encontro o Passado, dou mesmo de caras com ele. Encontro-o em todo o lado. Cheira-me bem e há uma mistura de pólen e resinas com um travo adocicado da mistura.
Acima de tudo, enterneço-me com o escavar do tempo,  mas também me  inquieto e  assusto, nem sei bem porquê.
Esta rola faz hu-hu-huuum. Hu, em árabe, li isso algures, é a forma do pronome que exprime o ausente. A rola arrulha e parece um hino, um hino triste.
Olá! Tenho saudades.
Há quem diga que tem saudades do Futuro, fica bonito, é diferente eu sei, mas confesso que ainda não consegui meter-me na cama com o Futuro, não somos íntimos, talvez um dia porque tenho muitas coisas para lhe segredar ao ouvido.
Quero dizer-lhe  um segredo.
Quero dizer-lhe que este presente não está a acontecer, não pode estar a acontecer, é como se o vazio fosse o espaço mais ocupado do país, porque as coisas não acontecem.
Vou dar um suspiro profundo para espalhar a alma toda.
Quero-te Futuro, vem depressa, não partas de novo, temos que recomeçar tudo de novo.
Ensaiarmo-nos de novo e mandar às urtigas todos estes tempos
Futuro queres um bocadinho do meu tempo presente? Empresto-te a fundo perdido.
Aceita o tempo que te dou/damos e preza-o, estima-o muito. Gasta-o com parcimónia, mas gasta-o bem, sei lá, usa-o  com Portugal.

2 comentários:

lua vagabunda disse...

QUE TEXTO DELICIOSO!

Gostei mesmo muito.
Que bem escreves, amiga linda!

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

tem dias, como sabes. repito-me se disser que sou assim (estou a copiar a Manela?) Ando às voltas com este tema e não sei como lhe hei-de fazer pega de cornos, antes que ele me faça a mim, mas hei-de conseguir, porque sou teimosa, dzem que é defeito, mas para mim, é virtude.