quarta-feira, 6 de junho de 2012

SAUDADES

Já toda a gente ouviu dizer que se tem saudades também do que nunca se viveu.
Quando ouvi isto pela primeira vez, custou-me a perceber, mas a vida encarregou-se  de me ensinar e, de que maneira.
A saudade existe, logo afirma-se, é viva e dá vidura.
Ortega Y Gasset meditou sobre este tema, no período em que viveu em Portugal, não conheço o que disse, mas sei o que sinto que me leva a parar um pouco para reflectir.
Tudo o que foi dito sobre o tema pode bem ficar na sombra, não gera o juízo a que o futuro se prende para agarrar do passado a face principal.
As minhas saudades, só posso falar destas e, por isso, uso o estilo confessional, fazem parte das memórias passadas, presentes e futuras e não têm prazos concedidos, senão dar-lhes-ia, um prazo breve e urgente.
As saudades dispõem de mim, tomando-me tempo e ultimamente sinto saudades do que não vivi.
Não vou entrar pela filosofia existencial e tão pouco quero embandeirar em nada. Os meus escritos, porque são para consumo interno, são o meu diário, não estão envilecidos com narcisismo, o que me oferece uma enorme tranquilidade.
A saudade penetra-me  imperativamente como o cheiro da maresia e algas nas narinas.
Os factos e são os factos que obrigam a pensar, ao falar aqui da saudade, estarei a tentar fugir à chusma de saudades que me assolam? Não sei responder.
Tenho saudades do que nunca se passou e pior do que nunca se vai passar.
Confesso que ultimamente, a saudade é algo que se encontra no epicentro das minhas cogitações e pergunto-me sempre se não podia ser evitado.
A saudade existe enquanto existirem humanos, já se sabe, mas as minhas saudades, as tuas saudades, as saudades de cada um de nós, só podem ter explicação na realidade que se vive.
A saudade personalizada tem muito poder.
Quando já se viveu mais do que  o tempo que temos para viver, percorremos talvez alguns trilhos de inquietude e de cuidado.
Saudade é desejo de repetir o passado no futuro deve dizer o dicionário que não me apetece ir consultar, mas a minha actual saudade não é essa, essa estaria bem mais acessível.
A realidade é radical e a realidade não são as coisas, somos nós, é o eu, a vida de cada um.
Quando pensamos sobre a vida e só pensamos, se calhar, nos momentos, em que a não vivemos, mesmo que a nossa decisão seja a contrária, verificamos que na vida não são as circunstâncias que decidem, as circunstâncias são dilemas, dilemas sempre novos, perante os quais temos que decidir.
A pessoa é futuro, queira ou não, e a prova disso é que a vida humana é uma constante ocupação com algo futuro, por isso é que sendo nós uma continuidade, pontos de encontro nos surgem na esfera da reflexão, mas não me alheio do princípio básico que é: faz-se o caminho caminhando e assim novas saudades e reflexões se irão juntar a estas.    

3 comentários:

lua vagabunda disse...

Ora bem, eu acho que a frase "saudades do futuro" é muito poética... mas, só isso!

Será desejo, sonho, utopia, vontade, ânsia, ... mas saudade?! Saudade é passado. E não tem de ser desejo de repetir o passado. Não mesmo.
A saudade pode ser triste ou boa. Doce. Doces lembranças do passado que recordamos com saudade. Triste por sabermos que a realidade de hoje não é a mesma... o tal dito que a mesma água não passa 2 vezes sobre a ponte...

As circunstâncias podem não ser dilemas... podem até fazer parte de um crescimento que desconhecíamos.....

A saudade não será sempre personalizada? A minha saudade não é igual à tua: quem sente o meu sentimento sou só eu e mais ninguém...

A pessoa não é futuro, é presente. O futuro não existe: só o aqui e agora. Amanhã faz parte da incógnita que é viver.

Uma coisa concordo quase em absoluto: qdo pensamos sobre a vida é porque estamos muito pouco ocupados a vivê-la...

Pronto, disse o que penso e as minhas dúvidas.

Jinho grande

Helena disse...

Acho linda a expressão "saudades do futuro", mas não é a minha praia. O meu tempo é o presente, sem ânsias de qualquer futuro diferente do presente e, sendo assim, é no presente que me sei e me entendo. Procuro muitas vezes no passado as linhas com que se teceu este presente, mas acho-as quase sempre estranhas, como se não me tivessem sequer passado pelas mãos e tivessem sido fiadas, dobadas e trabalhadas por alguém que conheço, mas que não sou eu.
Não sei se posso dizer que me olho descentradamente. Não sei. Sei quase nada sobre o tempo e sobre mim no tempo, embora ultimamente tenho tentado ler-me o passado para mais enraizadamente me sentir no presente.
Do futuro, nada sei!

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

agradeço às duas os contibutos preciosos que só engrandecem esta minha/vossa reflexão.