sábado, 26 de outubro de 2013

PORTUGAL CONTADO AO MEU NETO (quando souber ler)


Era uma vez um país chamado Portugal que teve um rei chamado Sebastião que se perdeu numa manhã de nevoeiro como a de hoje, em Alcácer Quibir, e até hoje ainda há quem acredite que esse rei há-de voltar com outro nome. Estas pessoas chamam-se sebastianistas e são assim uma espécie de gente carente, fraca e delirante, embora a carência nacional seja uma realidade e não faça parte do mito.
Tivemos também 500 anos de existência imperial, onde à vezes mudávamos de mundo e ainda temos saudades desse tempo e falamos dele.
Depois veio um senhor mandar neste país que se chamava António, António de Oliveira Salazar. Mandou durante 48 anos e redescobriu África, embora não voltássemos ao império, fomos  antes imperialistas e nunca fizéssemos parte desses lugares talvez à excepção de Goa, como seus senhores, já que mesmo como colonizadores somos insólitos. Fez muitas coisas más e entre elas fez com que muitos jovens morressem lá longe em África, porque os povos que lá habitavam não queriam esses intrusos e matavam-nos.
Um dia os trabalhadores da guerra revoltaram-se (ficaram conhecidos por capitães de Abril),  entraram em greve e disseram que não voltavam ao trabalho. Nós apoiamo-los e demos-lhes cravos e agradecemos muito; os nossos filhos, maridos e irmãos já não seriam mortos nesses sítios longínquos.
Ficamos com muita esperança que não voltasse mais ninguém a governar-nos com estas manias de morte dum país (enganamo-nos).
Revoltamo-nos com o presente, se calhar pela primeira vez e, sonhamos simultâneamente com o nosso futuro e passado, como de costume.
Agora uma Albuquerque e uns tantos filhos de colonizadores querem  barricar-nos dentro da consciência, dizendo-nos que somos um povo confuso e com graves carências económicas, mas nós sabemos que as nossas carências só são económicas para alguns e que antes de serem económicas as nossas carências são sócio-culturais e demasiado densas.
Somos um povo desinteressado politicamente e muito devido à nossa percentagem de analfabetos no 25 de Abril, a maior da Europa.
Pascoaes disse que ficamos pagãos, familiares dos deuses e do destino.
Daí essa forma de indiferentismo, após o espasmo orgânico do grito tão característico do nosso comportamento histórico "Tinha de ser". É o nosso lado árabe porventura, embora estes se revoltem ultimamente.
E um dia, Henrique, quando leres OS MAIAS de Eça de Queirós, vais conhecer o Carlos, que comprava tratados de aparelhagem médica para deixar cobrir de teias de aranhas num laboratório abandonado. Continuamos a ter o complexo dos analfabetos, em perpétuo atraso e a sermos veleitários imitadores do avanço científico. Hoje continuam hospitais com departamentos inteiros fechados e maquinaria  a enferrujar.
Continuamos muito Salazaristas, embora dizendo que não. Salazar auto definiu-se num dia de imodéstia sublimada como "pobre, filho de pobres", fórmula genial de identificação mítica nacional, filha e herdeira de pobreza verdadeira, cristãmente vivida.
Hoje não somos uma ilha, mas os nossos governantes continuam a viver em permanente representação, tão objectivo é neles o sentimento de fragilidade íntima inconsciente e correspondente vontade de compensar com o desejo de fazer boa figura, que a vontade de exibição toca as raias da paranóia, exibição trágica como se verifica na sua  não negociação da famosa Dívida em que a Europa como banco especulador nos meteu.
Continuamos, meu querido neto, na beatitude intelectual e moral como dizia Espinoza, filósofo que espero que conheças e que, diz-se, viveu no Porto, antes de emigrar para a Holanda com a sua família, já que era judeu e nós aqui no período da Inquisição, uma "coisa" ligada à Igreja Católica, que depois te explicarei um dia, perseguia e queimava na fogueira quem não fosse cristão, mas como dizia Espinoza, na permanente interferência da ideia que cada um se faz do que devemos ser sobre o que efectivamente fomos.
Espero que quando tiveres a minha idade, Henrique, possas dizer: "O reino da estupidez, a perniciosa imagerie do passado nacional avó, a descerebralização já não faz parte de nós, da identidade deste povo, somos apenas um pequeno grande povo no mundo que nos sabemos situar sem artefactos, sem fantasmas, neste melting pot que é o Mundo. Eu, lá onde estiver, ouvir-te-ei e ficarei muito feliz e viverei em paz para todo o sempre.
Por ora, vou-me arranjar para ir à manifestação no Porto contra a troika e este governo, com a esperança sempre renovada que tenhas um futuro risonho.
Beijos da avó Lena

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