domingo, 23 de março de 2014

NASCIDOS DEPOIS DA LIBERDADE

Mesmo sabendo da História e ouvindo falar não é a mesma coisa, não se pode comparar, em especial o que não é comparável.
E agora lembrei-me das invasões francesas, na forma como actuavam os franceses. Carregavam com tudo depois da destruição, levaram de rasto as marquesas, as duquesas, as pérolas, os soldados carregaram o que puderam, pilharam tudo. Não sei a que propósito me veio à memória isto, mas se calhar foi mesmo a memória afectiva a comandar.
No 25 de Abril de 1974, todos nós, portugueses maltratados pelo fascismo, durante cinco décadas a fio, deixamos que aqueles que sempre nos pilharam e assaltaram, mesmo na honra e dignidade, fossem para o Brasil e para outros destinos, deixamos que levassem tudo ou então que guardassem tudo bem guardado.
Foi pena, um erro crasso que pagamos com língua de palmo. Eles apenas fizeram um interregno nas suas vidas, umas férias e voltaram com os mesmos hábitos e com as mesmas formas de roubo e opressão.
Os que não morreram de morte natural, estão cá todos. Quem manda hoje são os filhos e netos  tal e qual como num país da América Latina na era dos Coronéis, com as devidas adaptações, adaptações europeias se fizeram.
Entretanto os filhos da Nação, como diz o verso da canção, estão sem emprego ou com salários tão baixos que acabaram os especialistas, tal como na Checoslováquia há uns anos.

Quem me dera ser escritora e tirar personagens dos livros e pô-los a funcionar comigo como quando era pequena e "escritora", tudo seria diferente, faria uma História do meu País linda, com personagens lindas. 
A escrita é uma necessidade biológica, sempre foi anti-séptica, fisiológica.

Nós, os que nascemos antes do 25 de Abril sabemos o que são pessoas boazinhas que fazem mal, as tais do sadismo com bacalhau.
Nós até falávamos de pintura sem imagem e de amor sem o fazer.
Os nascidos depois da liberdade  conhecem as imagens, conhecem o amor, mas talvez não conheçam tão bem a ignorância ocidental ou talvez não.
Sabem muito bem que o país se tornou uma praça de touros sem alternativa no que a empregos diz respeito. Sabem o que é viver na Europa, sabem isso tudo mas para eles a Europa fica no bairro onde moram, nas periferias, nos espaços metafísicos.  A Europa não deixa de ser uma superfície lunar.
Para todos nós que vivemos aqui, passamos a viver em órbita todos os dias. Vive tudo em guerras de nervos.
Eles não sabem o que passamos para aqui chegar, mas sabem muito bem porque não são pancrácios, que esta liberdade por si só, não os torna felizes, que viver à custa dos pais e não terem direito a constituir família  não é uma liberdade que preze o nome e que este viver não tem nada de civilizado.
Sabem, depressa o perceberam, desde os bancos da escola que quem ganha é o mau, o biltre, o pulha, o denunciante. Uns aceitam isso e fazem-se políticos ou aninhados ao poder, outros emigram e os de antes do 25 de Abril ficam sem filhos, sem netos e cumpre-se o Fado nacional.
Os pais investiram dinheiro nos seus filhos, em obras de fomento para  os poderes instalados e a instalar os oferecem ao mundo como mão de obra qualificada sem custos de formação e ordenados modestos.
Os nossos filhos, os nascidos depois do 25 de Abril, sabem o que é a liberdade mas também já sabem que a mesma é condicional.
Claro que também há os outros, os de antes e depois, que estão alheios, passam alheios pela vida, não querem mais nada que respirar e gostam de futebol, até de fazer a guerra por lá.
Todosaprendemosque há uma liberdade, que afinal não é mais do que a obrigação de se pensar como os outros querem.
A nossa "ignorância" é tão limpa. Todos sonhávamos com a liberdade, agora todos sabemos que esta liberdade está na linha da tradição da falta de liberdade portuguesa, vem de longe.

2 comentários:

GL disse...

Erros atrás de erros, ontem como hoje. A igualdade de direitos e oportunidades continua a ser uma miragem. Temos uma incapacidade, provavelmente genética, de aprender com o passado e até com o presente, um presente que continua a beneficiar os mesmos de sempre, geração após geração, e a destruir - esta é a "novidade" - uma geração de gente lutadora, que sofreu, que se esforçou tendo em vista um futuro melhor, um país melhor, e a contrapartida é a miséria, a condenação ou a emigrar, ou a abdicar de um projecto de vida digno.
O drama maior é que não vamos aprender nunca. Esta é a triste conclusão a que se chega.
Abraço.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

ABRAÇO AMIGO