domingo, 14 de dezembro de 2014

PINHEIRO-MANSO

Catedral verde e sussurrante, aonde
A luz se ameiga e se esconde
E aonde, ecoando a cantar,
Se alonga e se prolonga a longa voz do mar:
Ditoso o «Lavrador» que a seu contento
Por suas mãos semeou este jardim;
Ditoso o Poeta que lançou ao vento
Esta canção sem fim ...
 
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
Rei Dom Dinis, bom poeta e mau marido,
Lá vêm as velidas bailar e cantar.
 
Encantado jardim da minha infância,
Aonde a minh'alma aprendeu
A música do Longe e o ritmo da distância,
Que a tua voz marítima lhe deu;
Místico órgão cujo além se esfuma
No além do Oceano, e onde a maresia
Ameiga e dissolve em bruma,
E em penumbras de nave, a luz do dia.
Por este fundos claustros gemem
Os ais do Velho do Restelo ...
Mas tu debruças-te no mar e, ao vê-lo,
Teus velhos troncos de saudosos fremem .
 
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal louvado,
São as caravelas, teu corpo cortado,
É lo verde pino no mar a boiar.
 
Pinhal de heróicas árvores tão belas,
Foi do teu corpo e da tua alma também
Que nasceram as nossas caravelas
Ansiosas de todo o Além;
Foste tu que lhes deste a tua carne em flor
E sobre os mares andaste navegando,
Rodeando a terra e olhando os novos astros,
Ó gótico Pinhal navegador,
Em naus erguida levando
Tua alma em flor na ponta alta dos mastros!...
 
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
Que vedes no mar?
Ai flores, ai flores do Pinhal florido,
Que grande saudade, que longo gemido
Ondeia nos rames, suspira no ar!
Na sussurrante e verde catedral
Oiço rezar a alma de Portugal:
Ela aí vem, dorida, e nos seus olhos
Sonâmbulos de surda ansiedade,
No roxo da tardinha,
Abre a flor da Saudade;
Ela aí vem, sozinha,
Dorida do naufrágio e dos escolhos,
Viúva de seus bens
E pálida de amor,
Arribada de todos os aléns
De este mundo de dor;
Ela aí vem, sozinha,
E reza a ladainha
Na sussurante catedral aonde
Toda se espalha e esconde,
E aonde, ecoando a cantar,
Se alonga e se prolonga a longa voz do mar…
 
In  "Ilhas de Bruma", de Afonso Lopes Vieira, (1878-1946

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