terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

PALAVRAS AO ESPELHO

SESSÃO I


Entrou o DESPEDIMENTO na sala dos espelhos e ficou confuso. Virou-se, voltou a virar-se e aparecia-lhe o ajustamento. Não se reconheceu.
A seguir entrou o MERCADO, também não se reflectia. Perguntou-me se eu o via e estarreci- também eu, a sua amiga, tinha imensas dificuldades. Anunciei-lhe que agora os mercados tinham engordado muito e  andavam disfarçados de capitalistas todo o ano e já não vendiam produtos hortícolas. Chorou, chorou, chorou, parecia que o tinham matado. Foi muito triste, sem dúvida.
Então, antes de continuarmos a nossa tarefa de reconhecimento anunciei -Não posso agarrar em vós, voltar-vos para o espelho e dizer:
És tu a Palavra, queres dizer isto e não aquilo. És tu e não a outra.
A demagogia disseminou-se e não gosta de palavras ao espelho, percebem? Os mafiosos não gostam de saber o vosso verdadeiro nome e os políticos actuais também não.
Sois injuriadas, vilipendiadas, compradas, vendidas.
Às vezes para vos reconhecer tenho que vos ler de novo e recompor-me para não chorar.
Abusam de vós e deitam-vos fora, cruzam-se convosco e não param para conversar, não vos cumprimentam sequer.
Há palavras que continuam às moscas, estão paradas a ganhar mofo. Por mim, garanto-vos que sempre que possa, vos visitarei e daremos um passeio, é o mínimo que posso fazer por tão grandes amigas.
Muitas de vós fostes abastardadas, levadas para o infortúnio.
Por exemplo, a nossa amiga HONRA, palavra linda, maravilhosa, de pele clara e boca sensual, está aqui sentada há anos à espera que a convidem para sair.
TRABALHO E JUSTIÇA são palavras que estão a enregelar de tão encostadas que estão. Pedi-lhes para virem comigo ao espelho, negaram-se, têm vergonha, sentem-se andrajosas, sem o brilho de antigamente.
Estou aqui com a DIGNIDADE de braço dado, não quer ir. Afirmou-me que uma rainha não se mistura, que está aqui sentada com a GENEROSIDADE, que é uma amiga sua com  grandeza e majestade sem par e que se sentem tristes, mas que não abdicam de um dia irem ao teste do espelho e serem reconhecidas.

3 comentários:

GL disse...

A ESPERANÇA, se bem que com alguma timidez, aproximou-se do espelho. Sabe, tem consciência de ser uma palavra muito estimada, muito desejada, por isso aproxima-se do espelho sem receio. Encosta-se às palavras TRABALHO e JUSTIÇA, aquece-as, dá-lhes ânimo. Aproximam-se do espelho mas não se reconhecem. Sentem-se maltratadas, palavras vãs que perderam importância.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Goste GL, podia continuar a levá-las ao espelho, tem muito mais jeito do que eu, lanço-lhe daqui o "repto" :)

GL disse...

:):)

Abraço.