Como me irritam estes programazinhos em que toda a gente pode falar de tudo o que lhe vem à cabeça. Que pseudo-democracia esta.
Despejam ali o saco e pronto. Ninguém as ouve, só elas próprias, ninguém quer saber do que o outro diz, se não tiver nome registado na praça.
Sondo ali os abismos.
Esta gente traz-me à memória esse desejo de Kafka de ser como um pele-vermelha, sempre a cavalo, mas já sem ver a cabeça do cavalo, a galope desenfreado.
Querem dizer a si próprios que estão vivos, que lutam denunciando. Alguns são mesmo "habitués". E é a alegria dos alegres, que é uma espécie de doença como qualquer outra, uma espécie de vício que desordena a vida e a falsifica.
É apenas ruído, muito ruído. Uma "abundância" de democracia. Fico sempre extenuada com aquelas antenas abertas, aqueles fóruns, aliás cada vez mais tempo abertas(os) a comentadores convidados e reduzindo de duas horas para uma o tempo de participação dos ouvintes (descontando o dos convidados, fica meia horita) como por exemplo, na Antena 1.
Iludem-se os que se julgam escutados. São todos possuidores de ideias exactas, muito exactas e agradecem por poderem falar no "fórum", agradecem por pensarem e estarem vivos, verdadeiramente comovente.
Nestas alturas sinto a necessidade de reclinar a cabeça na música, na arte ou então no confortável silêncio.
Vezes há que dá-me para experimentar a piedade e sinto a alegria de ser boazinha, de simpatizar com esta gente que gosta de se ouvir a si própria e nem me revolto e então parece que acabo de cumprir o meu dever. Ouço estes programas com uma certa benevolência e acho tudo bem, acho que perderam a vergonha e isso só por si é uma coisa boa a até vencem os diferentes medos e a timidez, e conseguem falar em público, mesmo atabalhoadamente e isso eu acho o máximo, porque sei quanto me custou falar as primeiras vezes em público, não nestes contextos mas noutros bem diferentes.
Claro que tudo isto é melhor que a Pax Romana, a paz dos escravos, dos acomodados, mas mesmo assim não há meio de eu gostar de quem dialoga em coro, por necessidade, para traduzirem as suas queixas? E penso: Julgam-se livres?
Como podem? Praticam a liberdade?
Se houvesse liberdade, havia justiça, porque é na liberdade que se aprende a conhecer a fronteira das liberdades alheias e nessa altura, democracia também.
Neste mundo todo artificial, onde predomina o preconceito, o pedantismo, a mediocridade, há estes espécies de pseudo-oásis. Umas ilhas onde não se passa nada. É uma espécie de criança rebelde da Análise Transacional.
Os meios de comunicação assim chamados, ficam satisfeitos por desopilarem os fígados dos portugueses do bota-abaixo e também dos bota-acima para que se
não diga que a liberdade é total (deve ser catalogado como serviço publico como os discos pedidos ou parecido).
Não raro, nestes programas descubro que o nosso país está cheio de salvadores, de profetas, dos que se fossem P.M. fariam assim e assado, dos que pensam falar-lhe através da rádio.
E porque é que eu não gosto destes programas afinal?
1 comentário:
Consegues ouvir? Sabes qual é a minha sensação mais imediata?
Vergonha!
Acontece-me tantas vezes... ao presenciar comportamentos que acho indecorosos fico eu envergonhada. E o que por esses programas é dito, mais a forma como é dito, deixa-me profundamente envergonhada.
Sem ser a propósito, mas já que me lembrei, era também a sensação que tinha cada vez que me deparava com os tais comentários que me fizeram, durante muito tempo, impedi-los no meu blog. A coisa era tão má e tão feia, que eu ficava insuportavelmente envergonhada.
É estranho isto de ter vergonha por quem a não tem.
(já houve mais comentários meus que desapareceram...)
Enviar um comentário