quinta-feira, 15 de março de 2012

A MINHA BIOGRAFIA COMEÇA AQUI

A forma da vida humana é o círculo, disse Vergílio Ferreira.
É tudo muito depressa.
Precisava passar para o lado de dentro de mim mesma, precisava de ficar nua para me converter em biografia, em ser memória e assim ficava desamparada de vez, teria que renunciar a ter memória e passaria vertiginosamente a ser memória.
A minha memória é curta e eu teria que começar todos os dias a biografia se algum dia a fizesse. Teria que tomar posse de mim e como isso seria difícil.
Hoje, por exemplo, era para falar das pedras. Sentei-me à secretária com o computador  e  à frente o écran branco do blog  e lembrei-me  daquela frase do Padre António Vieira naquele sermão da Quarta-Feira de Cinzas,  em Roma na Igreja de Santo António dos Portugueses, em 1670 e que dizia "Também as pedras morrem", mas não sei porquê, dou comigo a escrever este título e pensei: Porquê?
Porque escrevi isto e já não vou hoje falar sobre as pedras?
Tento responder-me:  talvez porque essa mosca me fizesse sentir as minhas zonas de desconforto, talvez porque a doença me ponha a resmonear comigo própria, talvez porque considere, até hoje considero as biografias feitas pelos próprios algo de verdadeiramente incrível, como se o antigo e o novo se pudessem medir assim por anos ou talvez porque uma amiga, ontem, me falasse de memórias e de anos, ou porque outra quisesse fazer balanço de vida no dia do seu aniversário ou porque, por  acaso, juntamente com um amigo que conheço há muito tempo sem o conhecer, estivesse a discutir sobre "as memórias de Salazar" que a CM de Santa Comba Dão quer implantar e... que esses momentos teriam de constar na minha biografia   se algum dia a fizesse e que teria que a começar várias vezes, porque hoje tinha ficado a saber isto e aquilo, porque ontem falei com aquele ou aqueloutro que me deixou a pensar, porque aquela palavra que já não sei se foi amanhã ou depois que a vou ler me atirou uma patada violenta.
As minhas memórias parece que bóiam num laguinho de jardim numa qualquer Praça de cidade, todas juntas,  quando olho para elas e tento apanhá-las com a rede de apanhar peixinhos que guardei de pequenina.
O tempo continua a germinar e eu que não acredito em Deus nem deixo de acreditar, talvez por preguiça, porque dá muito trabalho pensar nisso, mas  acredito no olhar intenso, urgente dum cão.
Acredito que os sentimentos são um vício. Acredito quando falo com as pessoas que a vida pesa muito, que é imensa, violenta muitas vezes e que a temos de a sangrar de vez em quando com qualquer actividade, para ter menos força. Alguns vão para o ginásio, outros para o facebook, outros para outros locais e mais uma vez a minha biografia começa aqui: Encontrei-me com a vida a menos, com a redução imensa de vida disponível e falo comigo e penso que se acreditasse em Deus seria bom talvez ele demorasse um pouco comigo e me dissesse como começar a biografia e onde começar e porque me pergunto o que é uma pedra e porque há pedras e porque as pedras também morrem e porque começo de novo sempre.

1 comentário:

Miabar disse...

http://youtu.be/mQYUDvYVjUo

:) vai valer a pena ter amanhecido.