quarta-feira, 14 de março de 2012

E LÁ VAI A IMAGINAÇÃO

 Corre, corre cavalinho. Enquanto esta correr nunca desistirei. Estou aqui.

Penso em Camilo Castelo Branco, um dos meus autores preferidos da juventude. Visitei várias vezes a casa onde ele viveu em S. Miguel de Ceide, perto de Famalicão. A 1ª vez que lá fui, sim, ainda fazia lembrar Camilo, com os pinhais em volta e ouvia-se C.C.B falar dos "pinhais gementes", que sob qualquer lufada desferem suas harpas", agora está tudo cheio de cimento em volta, mesmo da Fundação(?). Não sabem preservar nada, porque não sabem ler e sentir o escritor. Lembro-me de Camilo a fugir para defronte do seu tinteiro de ferro e a evocar graciosas imagens e a resistir ao frio da tarde encostado ao peitoril da janela.
Quando ele dizia que os economistas ingleses chamavam ao tempo capital, quando se referia às morgadas sem morgadio e os seus dias corriam magoados.
O escritor é um escarafunchador de almas e Camilo foi-o como ninguém.
Tenho uma frase  na cabeça "sorria com aquela distinta angústia que lacera a alma sorrindo", não sei em que romance a li, já que li a maioria deles e são muitos mesmo, se há romancista que escrevesse muito, Camilo foi um deles, um grande, enorme romancista. Tal como a Agustina descreveu a mulher do Douro, em especial, do Douro Sul, C.C.B. escreveu sobre o homem e mulher minhotos e fê-lo com enorme mestria. Conhece-se muito melhor o Minho daquela época lendo Camilo, mas a alma dos homens e das mulheres de todos os tempos e lugares, encontra-se lá, nos seus romances.
Já com Aquilino Ribeiro, ficaram-me mais as palavras que usava na voz dos seus personagens. Parece-me que o primeiro romance que li dele, foi o "Malhadinhas". Eu lia os livros da livraria do meu pai, assim se chamava à Biblioteca. O meu pai gostava muito de Aquilino e usava algumas palavras que o escritor colocava nos seus livros, referindo que eram de Aquilino.
Lembro-me que se dizia lá por casa "santinho carunchoso". A minha avó dizia-me não te faças de santinha carunchosa e meu pai acrescentava : Aquilino. E dizia-se cavalicoque, quando escorregávamos pelas pernas abaixo, mais ao menos aos pulos da avó ou do pai e só mais tarde, vim a saber que também Aquilino usava o termo nos seus romances.
"Levado da breca"; "tropa fandanga"; "ruço de mau pêlo",; "arreganhando a tacha"; "viam-nos na fresca ribeira", "um lava-rabos"; "não foi uma boa bisca"; "perspectiva  estrambólica". E quando a minha mãe dizia, já zangada: "não me horripiles", o meu pai dizia sarcástico: Aquilino.
O meu avô, espanhol, falava que vivíamos no país das meias solas e o meu pai sorria dizendo não sei quantas outras frase de Aquilino e dizia "Malhadinhas", Aquilino. Acho que ele fazia de narrador, não só por que se divertia, mas para nós aprendermos. E resultou. Eu lembro-me de muitas mesmo.
E li muito Urbano Tavares Rodrigues que lá havia na biblioteca também.
E escrevia num papelzinho as palavras que não entendia e vinha a minha mãe e  proferia:"preguiçosa, vai ao dicionário" e eu respondia: depois. senão perco o gosto da história, sempre gostei que me contassem histórias. Chama-me para o jantar p.f".
E lia "o povo não existe, é uma abstracção, é decepção"; "respeito pela falsa ordem"; "neste nosso mundo envenenado e mal repartido"; " A Revolução não parou, mesmo que possam sujeitá-la a pausas retóricas, rituais" e tantas, tantas outras coisas eu me  lembro, parece que não mais acabo de crescer e no entanto reparei no outro dia que já com muita dificuldade chego ao fecho de cima da porta da cozinha; é, estou a decrescer, mas ainda crescendo.

4 comentários:

Miabar disse...

Quando ouço as raparigas de 45, 55 e... cultivarem a eterna juventude tenho sempre a sensação estranha de que se esquecem de como é bom ter anos... muitos anos... ter memórias, lembranças e saber, enterradas as urgências e inevitabilidades dos primeiros anos de vida, que, afinal tudo é possível e o tempo chega!

Corre, corre cavalinho! Gostei muitíssimo do escrito de hoje.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Obrigada, muito obrigada. Também o escrevi contigo no pensamento. Bj

Helena disse...

Muito bonito!
A nossa infância tem também isso em comum. A família do meu pai é de muito perto da terra de Aquilino, que ofereceu ao meu avô vários dos seus livros com dedicatórias afáveis. Todas as expressões que escreves eram constantes no meu avô, mas muitas delas são muito comuns na região.
Algumas das pessoas que conheço envolveram-se no longo processo da fundação da biblioteca com o nome dele em Moimenta da Beira, onde estudei antes de ir para o Porto.
Alem dos seus livros, li o D. Quixote na tradução dele. Na primeira página, a dedicatória para o meu avô dizia que era para "ler no remanso da lareira".

Beijo de bom dia.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Sim, eu conheço bem a terra, as casas de Aquilino e as gentes da região, ele utilizava as falas dessas pessoas, mas eu e a minha família somos do Porto e o interessante foi o Aquilino e as suas gentes nos terem entrado assim porta adentro.
Bom dia querida Homónima e obrigada pelas palavras que me deixaste no facebook, és muito generosa, não me enganei. Tive essa sensação desde a 1ª vez que falei contigo, lembras-te? Parece que foi á uma eternidade. Tem um óptimo dia. Bj