sábado, 11 de janeiro de 2014

ESPECIALISTAS


Palavra e conceito que esteve sempre presente e considerado por mim, mas não venerado.
Quando ouvi esta palavra pela 1ª vez, andava na escola primária e perguntei o seu significado.
A professora, fervorosa adepta do ensino americano explicou o conceito, dando o exemplo da escola americana em que formavam especialistas desde muito cedo e deixavam para trás, os mais inaptos.
Lembro-mo muito bem de ter pensado, tenho que ser a melhor, senão não me querem aqui.
Comecei a partir daí a recear a palavra e o seu conteúdo.
Ao longo dos anos sempre estive atenta à palavra. Recordo, como se fosse hoje, de perguntar ao meu avô o que queria dizer, depois de ter perguntado à professora e ele se ter munido duma porca e dum parafuso da despensa e me ter dito: estás a ver isto? É um parafuso. Vês isto? É uma porca e entretanto enfiou a porca no parafuso, dizendo-me solenemente, se a porca não entrar no parafuso nem o parafuso na porca, se não encaixarem bem e se só houverem especialistas, vais ter que chamar dois, o especialista da porca e o do parafuso, caso contrário podes só chamar uma pessoa para te resolver o problema. O meu avô era empresário e antiamericano. À época, só sabia que era empresário, a outra vim a descobrir mais tarde.
Na época em que tinha que escolher encaminhar-me para o estudo das letras ou das ciências, veio outra vez o medo da palavra. Tanto me fazia ir para ciências como para letras, eu gostava de tudo, as notas eram semelhantes.
Lá em casa havia grande liberdade de escolha, tu é que escolhes, mas a última palavra era do meu pai. O meu pai era um criativo de profissão e comunista.
Mas tentei cumprir o veredicto e escolhi, não quero ser especialista em nada.
Esta sentença que dei a mim própria saiu-me bem cara. Fiz três alíneas do 7º ano, entre ciências e letras. Estudei grego, latim, biologia, matemática, etc. Fiquei na mesma, aliás, valeu-me dois cursos, esta minha mania da justiça, neste caso entre as Letras e as Ciências. Tirei um de Letras e um de Ciências, para aprender duma vez por todas que se deve ter ideias feitas se possível e, tudo se torna bem mais fácil.
Mas devo confessar  que a explicação do meu avô sobre a porca e o parafuso a que aderi de imediato, ainda hoje me norteia.
E vem tudo isto a propósito de duas coisas essenciais ( e agora deixa-me bloguinho meter "publicidade". Lembras-te do Evaristo, aquele professor catedrático da Faculdade que quando aqui chegava dizia: a Primeira e a Segunda e nós baixinho repetíamos, a primeira e a segunda e lá nos atirávamos à Sebenta? :)


1ª Quando alguém me diz "eu não sou especialista nisso, não posso comentar".


2º Os saltimbancos encostados à política e aos políticos dos poleiros a serem especializados em tudo.


A palavra especialista continua a ser um problema, não para mim que a dissequei ao longo dos  anos como se duma rã se tratasse e só resolvi o problema, tornando-me tecnicamente especialista, sendo a mesma não especialista em coisa nenhuma, graças a mim que muito esforço faço para conseguir esta verdadeira 'especialização', mas para os outros, para os que o não são e julgam que os outros é que são ou os que são, julgando que os outros também o são e todas as outras conjugações que se podem fazer com esta palavra que parece inofensiva mas não é, apenas porque não há palavras inofensivas.
És especialista em Literatura barroca? Em conto gótico inglês? Em poesia épica? Não te deves aproximar de Fernando Pessoa ou pelo contrário deves ir ao seu encontro.
Quando me dizem: "eles é que sabem, eles é que são os especialistas, se dizem assim é porque é assim", exceptuando o futebol em que toda a gente é especialista, talvez por isso seja um desejo de massas, muitas Massas.
Saber mais de qualquer coisa, em especial no que à actividade profissional diz respeito, faz sentido e torna-se necessário. O que não faz sentido é preterir tudo o que à volta está.
Quer isto dizer que toda a gente tem que saber de tudo, de ser generalista? Não. Como não devemos ficar reféns de um único saber que nos impeça até de criticar o saber do vizinho, porque "especializado", também não devemos descurar saber mais e mais sobre aquilo em que trabalhamos. Os saberes são dinâmicos e o que sabemos hoje não serve para amanhã, como toda a gente que trabalha sabe.
O conceito e sua definição desta palavra e de outras tem evoluído ao longo dos tempos. Nos anos 70/80/90 olhávamos esta palavra, especialista, duma dada forma. A especialização seria muito interessante sim, se salpicada de outros saberes e formaram-se as equipas pluridisciplinares.
Não gosto de ouvir, por exemplo: " eu de política não sei nada, isso é lá com os políticos, eles é que sabem, eu não me meto no assunto".
Não gosto de ouvir: eu é que sou especialista, eu é que sei, aqui só se mete quem souber tanto como eu do assunto".
E vem-me à memória a "metáfora" da porca e do parafuso.
A minha doutrina, porque os anos vão altos, continua a ser a de pequena, basicamente a que o meu avô me forneceu, só acrescentei que ser especialista vale a pena e convém sê-lo para se perceber que o nosso saber é tão, mas tão pequenino que se não soubermos de tudo um bocadito, podemos lá não ter o especialista à beira e por causa do parafuso e da porca, a máquina não trabalha. É pois uma teoria bastante simples e com ramificações para todo o universo.
Gosto de catar palavras à infância, seguir-lhes o percurso: como nasceu, como viveu, como se reproduziu,  se morreu ou continua viva.


2 comentários:

GL disse...

Finalmente sou "especialista" em qualquer coisa: paciência!:))
Passo a explicar. Esta é a terceira tentativa que faço para publicar um comentário a este post.
No primeiro, bem longo, dizia de minha justiça. Ia publicar, mostrei não ser um robot, como é solicitado, mas...? Surge mensagem de erro e o dito desapareceu.
Uma segunda tentativa, comentário bem mais resumido. Resultado? O mesmo.
Agora, quase em desespero, e apenas em síntese.
Os ditos especialistas se se satisfazem apenas em aprofundar uma área do saber (demasiado simples, isto!)não ficam como que castrados?
A metáfora da porca e do parafuso, dita de forma sábia pelo avô, escusa mais considerandos.
Comentário pobre, tão pobre, este, mas estou com tanto receio que surja a mesma mensagem!:(

Será desta?
Oops, aí vou!
Abraço.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

comentário bem rico, por sinal
"Os ditos especialistas se se satisfazem apenas em aprofundar uma área do saber (demasiado simples, isto!)não ficam como que castrados?"

Exactamente aqui é que a porca torce o rabo, pensei eu tb. :)

Obrigada e um bom domingo GL