segunda-feira, 21 de maio de 2012

CONVERSA NOCTÃMBULA

É imperioso e urgente ter ilusões, ilusões que afaguem e acalmem a alma, digo de mim para mim.
É preciso tornarmo-nos vencedores e começarmos a narrar na 1ª pessoa, não deixarmos que os vencedores contem as nossas histórias, recusarmo-lhes esse privilégio. E reparo que não consigo ter ainda um/dois pensamentos,  com o eu, acabo por voltar ao nós sem tão pouco dar por isso, eu que nem tenho qualquer vocação para política.
Nós que somos constituídos de espermas variados, entre os quais o dos Celtas, temos que ser capazes de arrancar definitivamente.
Não quero estar desavinda com o quotidiano. Não quero esta realidade que me rodeia.
Não quero ver as pessoas aflitas, a dizerem que não sabem se amanhã têm o que colocar ao lume no fogão. Não quero ver gente do meu país a correr para os médicos porque têm dores de tudo e essas dores são feitas na sua maioria de frustração, da frustração implacável que os vem mordendo há tempos sem qualquer piedade.
As pessoas estavam desprevenidas, mentiram-lhes, sentem-se oprimidas.  Estão revoltadas, mas passivas porque têm um enorme complexo de inferioridade diante dos senhores todos que para aí pululam por os julgarem inteligentes. Ainda ontem ao falar com uma vizinha aqui na aldeia, o conceito de vizinha introduz alguma distância, mais uma vez verifiquei isso. Danificaram  as famílias, muitas delas estão sem âncoras, algumas ajudam-se entre si, os mais velhos, com o pouco que têm, vão servindo de segurança social aos mais novos.
As suas lágrimas coincidem com as minhas.
Agora que a madeira da juventude já carbonizou para muitos de nós, ainda temos que acudir ao mundo que clama por socorro.
Agora que era tempo de gozar das vitórias, ainda continuamos expostos a derrotas.
Continuamos a ter que ouvir arrotos verbais, com os peitos inflados, posturas canónicas, assistir a ignorâncias de tal magnitude que nos tornam vulneráveis e inoperantes.
Os nossos estados de espírito alteram-se; têm que se alterar com a justiça emperrada como está, recolhemos os sorrisos e as arquitecturas mentais transformam-se.
Escrevo à medida que penso, mas o que sinto é mais profundo, é argamassado com silêncios que começam a ser antigos e que não me seduzem.
As palavras às vezes saem ferinas, preponderam essas, talvez porque os assuntos se tornam todos pendentes, sem solução.
O povo está a ficar imbecil à custa de tanta necessidade e ouço os passarinhos que mais uma vez são a minha plateia e eu a deles e me ensinam 34/42 regras para sonhar e me dizem que o meu país há-de voltar e que há-de mudar de sonhos, que vai ter sonhos lindos e maiores e novas ideias e que o tempo dos fraques e polainas já acabou e que os afilhados um dia se vão encerrar numa cápsula e que nem vão querer ser encontrados e que os filhos de pais que trabalharam honestamente para dar um curso a seus filhos e que vêem a sua vida a fugir-lhes, um dia vão registar que os filhos dos amigos dos políticos no poder, que no meio deste caos arranjaram tachos bem remunerados para os seus prolongamentos, vão deixar de os ter e que a intriga vai deixar de molhar as suas memórias.
Tudo na vida está sujeito a mudanças, dizem-me os passarinhos quando se apercebem e me vêem perturbada. Ainda agora o melro, aquele que tem grande intimidade comigo porque come os morangos antes de mim, o mesmo  que ontem me disse que eu e os morangos claro está, contribuíamos em grande medida para a sua felicidade e bom aspecto, me informou que todos aqueles que nos têm governado mal iriam sair como ratos dum queijo gigantesco e não demoraria muito  e que a cultura de imitação da própria Europa iria mudar. Disse-me que as coisas estavam a tardar um bocado e que havia horas que pareciam que tardavam mais um bocado mas que não desesperasse que nem tudo são celas e algemas e que se a vida é quase absolutamente impossível, não o é relativamente.

4 comentários:

lua vagabunda disse...

que maravilha. Adorei!

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Obrigada Manela, pode ser que me dê força para voltar a sentar-me aqui e a escrever

Helena disse...

Escrever é uma forma de nos renovarmos a força para encarar as adversidades, não será?

Beijo de bom dia, tardio como sempre, que antes de me sentar aqui há café, de preferência bom, com notícias que sempre são más.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Talvez Homónima, não sei. Bj