sexta-feira, 25 de maio de 2012

PACIÊNCIA

Quando era jovem, ouvia dizer que a paciência se adquiria e que as classes mais baixas a tinham numa dose inferior do que as classes mais altas.
Estes dois conceitos evoluíram muito e eu também, não sei se ao mesmo ritmo ou a ritmos diferentes, mas sei que hoje a paciência está muito mais do lado das classes baixas do que das altas, isto no caso de haver classes altas e baixas.
Como estamos de classes hoje em dia? É coisa que se alguém sabe, eu não sei.
Há 30 anos ainda havia operariado, hoje já não há.
Os bancos criaram classes de pobres proprietários, com mentalidades de propriedade privada e alteraram a sociologia.
Os jornalistas chamam a tudo classe média, desde o vagabundo ao capitalista e resolveram em duas penadas a questão das classes. Os sociólogos não me parece que falem disso, talvez por não ser politicamente oportuno, digo eu, não sei.
E eu como cidadã contribuinte o que sei disso?
Continuo ainda a  observar a sociedade muito estratificada, se calhar não defino classe como antes o fazia ou ouvia fazer, mas para mim há e sempre houve muitas classes, embora diferentes de outrora e não só duas, como jornalisticamente nos fazem crer para arrumarem conceitos ou talvez não. Nunca se pode simplificar sem complexificar primeiro, é o meu lema.
Lembro-me duma varina de Buarcos dizer à Manuela Eanes, corria o ano de 1985, "só quem tem peso a mais tem medo da balança". Ora aqui está um belo exemplo de paciência pelas classes mais baixas, é uma leitura possível, entre muitas outras.
A paciência das classes trabalhadoras, das classes que sustentam as classes "altas", é infinitamente maior do que ao contrário.
Continuando com a designação de antanho, de classes baixas e classes altas, verifico hoje em dia que as classes "altas", altas à custa do roubo e de não possuírem qualquer tipo de escrúpulos, de se servirem dos partidos políticos para se alcandorarem no assalto à mão armada, desde banqueiros feitos à pressa, empresários de "sucesso" a políticos de meia tigela, são muito impacientes, demasiado. Dão diariamente lições de impaciência quer colectiva quer individual.
E recordo Camões e sempre Camões quando poetava "Mudam-se os tempos/mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança/Tomando sempre novas qualidades/Continuamente vemos novidades/Diferentes em tudo da esperança/Do mal ficam as mágoas na lembrança/E do bem, se algum houve, as saudades"  É o que recordo, mas que é verdade tudo isto, é.
Nós os que assistimos ao antes do 25 de Abril e que estamos vivos ou sobrevivos, tal como os que nos precederam verificaram e os que se seguirão, irão experimentar, talvez sem tamanha violência espero, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".
Quem nos dissesse a todos nós, aos que contribuíram para o 25 de Abril e o desejaram e viveram, os que atravessaram essas fronteiras inesquecíveis, que íamos passar por tempos destes, os que se vivem actualmente, esta esquizofrenia social e política, era mais inverosímil do que o homem ter ido à Lua no tempo dos nossos bisavós.
Se nos falassem de itinerários existenciais dilacerados, de conflitos do homem consigo mesmo e com as potências arbitrárias do destino, se nos falassem de personagens chicoteadas com uma solidão irremissível, na qual só se foge na fuga de si mesmo, de indivíduos em que vêem a sua fé vacilar... em tudo isto nós acreditávamos e muito mais, mas que íamos atravessar a Idade Média, que estávamos muito próximo duma Idade Média Futura, que iríamos fazer uma viagem à Irrealidade (obrigada Humberto Eco), que todos teríamos que passar de ignorantes e vulgares delineus a sábios, para conseguirmos reger a nossa conduta no quotidiano, isso era bem mais difícil de supor.
Nem Camões, esse visionário, conseguiu chegar lá. Se calhar só mesmo mais tarde, Fernando Pessoa, pelo semi heterónimo Bernardo Soares (aquele com que talvez mais me identifique) que dizia qualquer coisa parecida como isto "havia de existir uma psicologia das figuras artificiais". Dizia ele que a Psicologia das figuras pintadas exigiria químicos e as das estátuas, geólogos.
Acho que preciso de muitos químicos para perceber o que me rodeia nestes "colóquios cansados" comigo mesma.

3 comentários:

lua vagabunda disse...

Achei "piada" a estas tuas deambulações sobre as classes. Lembro-me de "andar na política" e ser confrontada com isto. Se era da classe operária porque de origem operária, se da pequena-burguesia pq empregada de escritório (hehehehehe, foi mesmo verdade!)............... quando fui SUSPENSA do partido onde militava um dos argumentos foi: "-um comunista vê-se até pela forma como nasce, se foi cesariana ou parto normal"... não, não é anedota! Foi mesmo dito por um membro do comité central que "desceu" à célula onde eu estava... e que me tinha eleito para ir a uma conferência como representante da mesma... enfim... outros tempos, outras histórias...

Tb não sei responder a nada do que aqui escreveste... e isso incomoda-me!
Hoje, imigrante na Holanda onde vejo os tugas da classe operária (aqui continua-se a notar bem a diferença) os que andam nas estufas, nas carnes, etc etc são os mais reaccionários... Querem é ganhar o mais dinheiro possível... não são solidários, muito menos intervenientes politicamente....

Onde é a ilha???

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

estás a ver? fiz-te pensar. Pois...ou andamos de mal com a sociologia ou a sociologia connosco

lua vagabunda disse...

fazes-me sempre pensar, é tb por isso que gosto de ti.
Gosto de pensar, afinal foi o que sempre fiz de melhor em toda a minha vida, até costumava dizer que me deviam pagar para estar sentada em casa a pensar... e nada fazer.
Agora que isso acontece, descobri que afinal não é nada bom!!!

.... as coisas que eu descobri desde que cheguei ao facebook!!! Algumas são boas, outras não! Continuo sempre a enojar-me com o carreirismo e o seguidismo... coisas que me ficaram da política...