quarta-feira, 23 de maio de 2012

PORTUGAL ESQUIZÓIDE

As pessoas deixaram de ser pessoas para serem moedas e números.
Os governantes de circunstância têm cérebros de pardal uns e outros, são felizes por gerirem os nossos bens como se fossem deles, sem pecados, virgens de ideias.
Temos a presidir à República um velho economista liberal em passeio por terras longínquas com o seu séquito, à espera de chegar a casa para descansar e perguntar à mulher se gostou do passeio e do que gostou mais, a gozar as delícias de uma reforma repousada e farta.
Temos um governo incendiário.
Temos uma sociedade com carência de maturidade ética dos indivíduos.
Com todos estes ingredientes é o caos que se proclama vencedor. Nada ou quase nada é exacto e verdadeiro do que se lê e do que se ouve. As pessoas começaram a juntar as poucas palavras que conhecem, a maioria repetidas, como antigamente  preenchiam cadernetas com cromos.
Todos pugnam pela festa da harmonia precária.
Todos falam, mas falam sozinhos em imensos solilóquios.
Tudo me parecem metáforas. Não encontro respostas explícitas em nada do que leio, encontro sim metáforas várias: a de como o ser humano pode viver alienado da realidade, em tempos de pessimismo e desorientação, a metáfora de como a economia afecta as relações humanas ou a metáfora da hipocrisia política e social.
Parece que estamos todos a endoidecer nesta loucura europeia de que fazemos parte.
Todos prestam depoimentos, apenas para não depor.
Todos ou quase se desculpam com os outros, mas nada dão de si. A má-fé e a cobardia é o ar que se respira.
Portugal está numa tal debilidade física e psíquica que uma simples lufada de ar lhe pode determinar a morte por pneumonia, no entanto não passou pela fase de hipersensibilidade ao frio; passou directamente da fase ideal à conformista, de desejar tudo para acabar a não pedir nada, a se conformar com tudo.
Portugal está em chaga, largou a pele e metade parte contando sarar  sob outros céus e os restantes assistem a tudo como se estivessem a ver um filme  passar em qualquer sala de cinema, como se não fôssemos nós os actores e os realizadores.
Tudo se passa como se não fosse connosco; às vezes vertemos  lágrimas sentidas, que saem do fundo de nós próprios, compadecemo-nos com o que vemos, porque passa em todas as salas de cinema mais perto de nós, resistimos até ao fim e no final aflitivo, parece que desabafamos dizendo: "ainda bem que nada disto é connosco, é com os gregos,  esses ignorantes que apenas gostam de se divertir e pouco de trabalhar, com os espanhóis, com os italianos, com os franceses, com... com...
Quando saímos destes filmes, vendo a luz clara do dia ou  cintilantes da noite, pensamos pisar outros caminhos, inspiramos e expiramos, falando baixinho e consideramos haver uma mão cheia de possibilidades, por isso não partimos vidros ou estilhaçamos pouco a pouco.
Ao outro dia pensamos que estamos a pisar caminhos vedados e nenhuma estrada é  a real e  parece que estamos no filme de novo, dentro dele e forçamo-nos de novo, como uma criança que destrói um brinquedo a pensar sou eu que sou ignorante, que não estou a fazer uma análise correcta, esta não é a estrada que deve ser seguida, não sou escravo(a), ainda não, mas tão pouco mais livre que outrora e consideram que agora que não tem nada mais a sacrificar, nada mais lhes apetece escolher.
Naturezas pobres e bravias, agarrada a orgulhos desmedidos e grotescos e dizem de si para si, ninguém me esmaga, antes de me esmagarem, eu mordo-os, para de seguida, esses mesmos se esmagarem mais cedo do que tarde.
Não, não eram gregos e dobrados sobre a mesa sacudindo a espuma da cerveja, varrendo de vez  os seus horizontes interiores tão longínquos quanto apagados.







nota: como quase sempre os tempos dos verbos são conjugados em diferentes pessoas, dependendo quiçá, de maior ou menor identificação, preferindo a autora publicar sem qualquer emenda para servir de sua memória futura.

2 comentários:

lua vagabunda disse...

mas que bem escrito/descrito!

Parabéns pela escrita que não pelo sentir...

Tanta gente a escrever e a dizer o que não dá sequer para ler quanto mais para partilhar e tu aí "escondidinha".....

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Obrigada Manela. Eu sempre fui escondidinha, isso é verdade.Bj e obrigada pelo ânimo