domingo, 6 de maio de 2012

DIA DA MÃE

Veio-me à memória o que fiz em 2008 no "Lenço de Papel" e aqui está:

 

Domingo, 4 de Maio de 2008


dia da mãe





AVÓ -MÃE DUAS VEZES

A razão e o instinto, a força e a graça, a ordem e a liberdade enconcontravam harmonia na minha avó.
Mulher tímida mas que diante da vida teve sempre a coragem de não se resignar.
Nunca gostou de precisar dos outros, sentia-se perdida, por isso trabalhou e foi útil durante toda a sua vida. O sentido de utilidade esteve sempre presente, foi como um deus menor que habitou o seu espírito. Foi sempre uma mulher que em todos os momentos se sentiu irmã do próximo e que em todas as circunstâncias reagia sem covardia e, mais importante do que tudo isso é que nem sequer tinha consciência disso.
Por onde passou, em especial, pela família que amava acima de todas as coisas, deixou pedaços de si, tal como os nossos antepassados descobridores deixaram padrões pelos locais por onde passavam.
Pensava que tinha que implorar ajuda a alguém em certos momentos mais difíceis e, como era filha duma terra em que o culto a Maria estava arreigado, sucumbiu à sua ancestralidade.
A minha avó não gostava de abrir mealheiros do passado. Sabia que lágrimas e sorrisos eram filhos dos mesmos sentimentos, mas de vez em quando lá ía buscar alguma coisa pela ranhura do dito.
Havia nela toda a raíz republicana dos seus avoengos, aliás, ela própria nascida no ano da implantação da República, que não lhe deixava tolerar poderes únicos e absolutos. Sempre pugnou pela liberdade e justiça.
Sabia ver que a quem mais amava, os seus (como chamava), eram labirintos de contradições. Por isso, os seus defeitos não estavam mascarados nem as virtudes ocultas.
A minha avó sabia saltar alçapões e conhecia os tempos em que vivia, que eram de má fé. Ela sabia que se tratava afinal dum desconhecimento do verdadeiro carácter das pessoas, quando toda a gente julgava ainda que era um mal entendido.
Achava que era uma tragédia se aos vinte anos já soubessemos o que era ter vergonha.
A vida deu-lhe água pela barba, mas ela, magrinha e a comer tanto como um passarinho, achava que nem Deus descansou, a não ser ao sétimo dia.
Não sa curvava ao pessimismo. Decepcionou-se várias vezes, mas continuava a ter esperança , a colher os dias e a saboreá-los à sua ma maneira, a amar o filho e os netos, a nora e todos os que a rodeavam. Perdoava tudo porque compreendia.
Sempre apreciou um bocado apetitoso desta vida - um bom passeio, uma vitela assada ou a paz e alegria familiares.
Viveu sempre de acordo consigo.Não perdoou ao pai não ter sido melhor marido e melhor pai. Guardava essa mágoa.
Por vezes, em especial,quando vinha rememorizar a sua infância e juventude à casa onde nasceu em Louredo/Paredes, não conseguia aderir à realidade. E os sentimentos eram superiores, relegando-a para as memórias. Parecia que não estava a ver a casa, onde ficava o seu quarto, a sala, a cozinha, etc, mas a lembrar...
Senhora duma vontade e espírito de independência, trabalhou toda a vida e a sua imaginação esteve sempre ao seu serviço no que a tal dizia respeito.
Fez camisolas, vestidos, costurou, cozinhou, crochetou.
Não passou a vida a plantar boas intenções. Abençoou todas as revoluções justas da História.
Não suportava a má língua, nem a clássica das lojas onde ía fornecer-se.
É certo que se sentia eficiente, mas porque lia os jornais todos os dias e conhecia o mundo. Gostava também de espreitar o mundo através das vidraças.
Odiava os cobardes. Considerava-os uma lepra social (nessa altura ainda não se falava da SIDA).E quando veio o 25 de Abril, a auto-proclamada revolução dos cravos, que contente que a minha avó ficou! Logo que pôde (1º de Maio), veio para a rua, de cravo na mão e misturou-se com a multidão.
Como disse já, às vezes folheava a vida e mostrava-nos algum parágrafo.
Não gostava de padres, achava-os, de certa maneira o mal da Igreja.
Tinha hábitos de liberdade e não gostava de cangas opressoras - as únicas que carregou foram alguns desgostos familiares.
Pensava na morte e como se ía acomodar lá em baixo...ela que sempre teve medo do escuro, preferia um jazigo de capela para repousar em paz.
Amava-me e dizia de mim e a mim que eu era desastrada na maneira de ser e que até algumas das boas qualidades que possuía as revelava ao invés, e assim dava lugar a que as pessoas confundissem no meu temperamento modéstia com orgulho, franqueza com agressividade, desinteresse com estratégia e por aí fora.
E quando foi votar pela 1ª vez? Renasceu. Finalmente exercia o direito público de opinião.
Perguntei-lhe:"Vó, em quem votaste?" Respondeu: "Filha, o voto é secreto, omessa".
Havia nela como que uma espécie de nervosimo da alma.
Foi sempre ávida da família. A família para si suplantava tudo. Estava acima da poesia e da música de que tanto gostava. Gostava da "Banda do Casaco" e da "Internacional".
De voz baixa, terna, sedutora, conseguia com sussurros aquilo que os outros com grandiloquos discursos não conseguiam.
Não conseguia sentar-se no sofã sem nada fazer e então, quando já estava tudo feito, fazia roupa para as bonecas da bisneta Mariana.
Considerava que não valia a pena contrariar certas pessoas, ser junto delas uma presença de constante inquietação. Claro, que também sabia que com uma interjeição se quisesse, poria fim à comédia ou tragédia representadas.
Finalmente, tentou corajosamente enfrentar a solidão, negando-a.
A minha avó era a minha Nossa Srª dos impossíveis.
Hoje é dia da MÂE, quero-lhe prestar homenagem.
Tu sabes,vóvó, lá ondes estás, que no fundo, no fundo me deixaste marcas indeléveis e muitos dos pontos bons que possuo a ti se devem. MIL VEZES OBRIGADO AVOZINHA QUERIDA.

3 comentários:

lua vagabunda disse...

que lindo... gosto dessa avó. Estava a lê-la e a pensar na Marta... Porque será???

Obrigada por partilhares connosco tão belo poema.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

A minha avó chamava-se Judith Cândida e era a mais linda MULHER que eu conheci e continua a ser um farol para mim e para toda a família.
Obrigada sócia

Helena disse...

Muito bonito, Helena!
beijo grande