segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

DIZEM QUE OS ANOS AMOLECEM AS PESSOAS

Apetecia-me dizer: "Não respondo a isso" que tem sido a forma mais usada para muita gente responder a alguma coisa com a qual não concorda.
Mas neste caso sou eu que coloco a questão e quem coloca a questão tem a obrigação de saber alguma coisa mais. Só que não é verdade.
Eu pensava quando não tinha os tais anos que fazem amolecer as pessoas que havia de haver uma época em que isso iria acontecer.
Eu pensava até ser grande tanta coisa, julgava como já vos disse aqui neste banco de jardim que toda a gente era inteligente e que se podia falar de tudo, que todos entendiam. Pensava também que o querer era quase tudo. A acção executava-se, assim houvesse o querer. Como era bom pensar assim. Era essencialmente prático, bastante prático.
Os anos amolecem as pessoas. Que pessoas? Que partes das pessoas ficam amolecidas? Todas as pessoas são amolecidas pelos anos?
As contrariedades com os anos não diminuem, apenas se transformam.
O amadurecimento é um caminho difícil.
Despedir-se dos outros encontros com a vida, das outras fases de bem-estar não é uma coisa muito fácil. As medicações engordam e as zangas também.
Sim, com os anos chega um cansaço de se acreditar em tudo que é colocado à frente, mas amolecimento?
Amolecimento como sinónimo de conhecimento? Não creio que o conhecimento amoleça.
Amolecimento como sinónimo de doçura? Se considerarmos que a maior parte da doçura é uma estratégia para a velhice, sem dúvida.
Os anos amolecem como forma de corrupção das pessoas? Se calhar.
Toda a intoxicação a que estamos sujeitos durante a vida criam um certo torpor, talvez semelhante ao da bebida.
Esta frase arrojada que sempre ouvi desde pequena veio-me à cabeça, como me poderia vir a tal outra frase criminosa "velhos são os trapos" ou ainda aquela outra mais assassina "o que é preciso é  juventude de espírito, essa é que conta".
É uma evidência que os anos fazem más convivências com os impulsos e gostam bem menos das grandes urgências, mas amolecer, amolecer mesmo?
Se calhar quando assim se fala referem-se às partes rijas, essas amolecem mesmo, ninguém duvide.
Os exercício de respiração faz-se a um outro ritmo, também é verdade. Respiramos primeiro o que nos ajuda a pensar e a elevar e, falamos depois. Demoramo-nos mais no pensamento, não em busca do termo ou da pronúncia mas para melhor conseguirmos suportar o que ouvimos.
O silêncio e o isolamento não são sinónimos de amolecimento, embora possam ser vistos como tal.
Mas fundamentalmente o amolecimento dos anos deve-se àqueles que são feitos para vencer indiferenças.
Quem não consegue tornar-se indiferente mesmo com mais e mais anos, não amolece, desenrijesse e pode calar-se mais por saber que as suas palavras nunca produziam o efeito que esperava ao dizê-las.
O corpo amolece mas também se engana e julga dores falsas.

Há sessenta e mais maneiras do mundo nos chegar a casa sem nós chegarmos até ele. O mundo que não nos conhece, que não quer saber de nós para nada, que nos despreza, impõe-se-nos esse mundo que nem sequer nos deixa amolecer os anos e os meus anos fazem um silêncio educado, olham fixamente o mundo, como quem mostra  o prazo da sua tolerância.
Não os anos não amolecem, apenas desenrijessem.

4 comentários:

lua vagabunda disse...

"... desenrijesse e pode calar-se mais por saber que as suas palavras nunca produziam o efeito que esperava ao dizê-las...."

Adorei. E lembrei-me mesmo de Almada Negreiros:
Todas as frases para salvar a humanidade já foram ditas, só falta mesmo é salvar a humanidade.

(peço desculpa se há incorreção, cito de cabeça)

Deixo-te um beijinho

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Obrigada Manuela por me leres. E é mesmo verdade, já tudo foi dito, mas nós continuamos a ter que viver. É uma obrigação. Um beijo para ti também.

Miabar disse...

Bom dia, escrevedora!

Nem se amolece, nem se enrijesse... os rígidos calcificam e os brandos ficam ainda mais lassos!

Os outros gerem recursos não desperdiçando energias. Quem, regido pelo princípio da vida, lá continua a sua rota em direcção ao "claro", com os matizes necessários e quem regido pelo princípio da morte.. igualmente, em sentido contrário!

Beijos

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

QUE FORÇA MINHA QUERIDA MIABAR. GOSTO DESTES TEUS AMANHECERES. FALTAVAS-ME PARA ME ENRIJESSERES. VAMOS À LUTA, PELO MENOS À DOS NEURÓNIOS, NO MEU CASO.
UM BEIJO PARA TI E TEM UM BOM DIA DURO, RIJO E SABOROSO