domingo, 26 de fevereiro de 2012

INDIVÍDUO/INDIVIDUAL

APONTAMENTOS

Um dos meus interesses é conhecer o processo do pensamento e do sentir do outro.
Não propriamente a forma de agir ou reagir, mas algo anterior a isso. Como cada um observa, pensa e sente determinada coisa.
Confesso que me interessa muito mais o indivíduo e o individual que o seu oposto, embora o colectivo também me interesse, mas numa outra dimensão. Embirro um pouco com generalizações do tipo bacoco o HOMEM é assim, a MULHER é assado.
Não sei onde li e se li mesmo assim, mas tenho a ideia que li alguma coisa como isto: "a profundidade de alguém, está escondida à superfície.
Conhecer uma pessoa, no sentido de lhe conhecer o pensamento, é algo que nunca tem fim, é um processo, requer muito tempo, muito trabalho e muito amor à causa, mais que até àquela pessoa, se bem que este  último também ajude, é bem mais fácil saber quais os seus hábitos de agir/reagir, que como disse não é o meu interesse primeiro.
Saber como aquela pessoa aprende a conviver com o silêncio e trava a vertigem da desaparição, aquela outra é conformista, e como outra ainda faz de cada dia um primeiro começo do Mundo ou mais interessante ainda, como a mesma pessoa encerra tudo isto.
Roland Barthes em "A Câmara Clara" dizia: "seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja o modo, uma foto é sempre invisível: não é ela que nós vemos".
Com os indivíduos também acontece um pouco isto, todos nós nos parecemos com todos, excepto no facto de nos parecermos com eles. E esta é a verdadeira maravilha, é parecermo-nos com os demais, mas sermos diferentes, sermos únicos.
É fascinante esta matéria, este verdadeiro milagre da vida. Duma forma geral aproveitamos mal este conhecimento, embora todos nós o tenhamos.
Passamos muito mais tempo ocupados com generalizações de que  com o trabalho em busca do conhecimento do indivíduo, embora todos ou quase (não me incluo nestes) achem que vão conhecendo bem ou razoavelmente bem o outro. Nada de mais errado. Nunca se conhece bem o outro. Porque o indivíduo é um mundo, um mundo inacabado e o conhecimento que dele temos, inacabado é.
Outra coisa que bem sabemos para melhor e depressa esquecermos é que nos descobrimos a nós próprios no outro. Quanto melhor conhecemos o outro, melhor nos conhecemos, é um facto.
Quanto a mim, sei bem que este desejo é irreconciliável com a realidade, no entanto tenho a vantagem de ser esclarecida acerca  da matéria e saber isso mesmo, que se trata apenas dum desejo e nada mais.
No que me diz respeito, penso que vou na 3ª fase acerca desta matéria.
Até muito tarde da minha vida, vivi numa redoma e pensava que as pessoas se entendiam umas às outras através da linguagem, e que a língua, esse instrumento fantástico, operava esse milagre do entendimento. Mais tarde e por força de alguns "life events" como dizem os americanos, percebi claramente  que a língua falada e escrita, pode servir exactamente para o contrário, para o desentendimento, para a ocultação e comecei a perceber que os sentimentos (têm tomado muito nomes na literatura científica, mas não é disso que falo aqui) eram demasiado importantes para se colocarem de lado ou em segundo plano e, sem eles não havia possibilidade de qualquer conhecimento do outro.
Sem ter abandonado esta descoberta pessoal, porque só cada um de nós o pode descobrir e não através do que lê ou ouviu dizer, encontro-me numa nova fase, chamar-lhe-ei, a fase do Espanto.
Quando consigo viajar pela profundidade do indivíduo e fazer algum trabalho arqueológico, fico espantada comigo mesma e penso que preciso duma nova gramática e que essa nova gramática não a vou conseguir nos conhecimentos científicos, mas muito mais numa vida nova de sentires.
Quero deixar aqui uma nota muito clara a quem proventura me estiver a ler:
tudo o que aqui refiro não se trata duma matéria pertencente aos porões das almas, porque se formos por aí nunca mais conhecemos a claridade.

4 comentários:

Helena disse...

Muito bom, minha querida Homónima!
Muito bom mesmo!

Bom dia, bom domingo, bom fim de fim de semana.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Obrigada Homónima por tanta generosidade. O que interessa é que gostaste.
Sabes, quando a gente sente uma coisa e consegue fazer coincidir esse sentir com a forma, neste caso, a escrita, as coisas saem melhores sim. Parece que foi o caso de hoje, mas só os outros o saberão dizer. Gosto que me façam críticas e aceito muito bem as negativas, com essas tb cresço (falo mesmo a sério) Beijo para ti e bom resto de domingo e bom fim de semana

lua vagabunda disse...

Moral para PsicólogosNão cultivar uma psicologia de bisbilhoteiro! Nunca observar só por observar! Isso provoca uma óptica falsa, uma perspectiva vesga, algo que resulta forçado e que exagera as coisas. O ter experiências, quando é um querer-ter-experiências, — não resulta bem. Na experiência não é lícito olhar para si mesmo, todo o olhar se converte então num «mau-olhado». Um psicólogo nato guarda-se, por instinto, de ver por ver; o mesmo se pode dizer do pintor nato. Este não trabalha jamais «segundo a natureza», encomenda ao seu instinto, à sua câmara escura o crivar e exprimir o «caso», a «natureza», o «vivido»... Até à sua consciência chega só o universal, a conclusão, o resultado: não conhece esse arbitrário abstrair do caso individual. — Que é que resulta quando se procede de outro modo? Quando se cultiva, por exemplo, uma psicologia de bisbilhoteiro, à maneira dos romanciers parisienses, grandes e pequenos? Essa gente anda, por assim dizê-lo, à espreita da realidade, essa gente leva para casa cada noite um punhado de curiosidades... Porém veja-se o que acaba por sair daí — um montão de borrões, um mosaico no melhor dos casos, e de qualquer forma algo que é o resultado da soma de várias coisas, algo turbulento, de cores berrantes. O pior aqui conseguem-no os Goncourt: não juntam três frases que não causem simplesmente dano à vista, à vista do psicólogo. — A natureza, avaliada artisticamente, não é um modelo. Ela exagera, deforma, deixa vazios. A natureza é o acaso. O estudo «segundo a natureza» parece-me um mau sinal: denuncia submissão, debilidade, fatalismo, — esse jazer-no-pó ante os petits faits é indigno de um artista inteiro. Ver o que é — isso é próprio de um género distinto de espíritos, dos antiartísticos, dos homens de factos. Há que saber quem se é...

Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"

Miabar disse...

Volto cá amanhã :)* Ainda quero deixar a devida vénia a Ruy Belo, ali no "cara de livro", que completaria 79 anos amanhã se tivesse a paciência necessária para tal. Só li agora o "trabalho" de hoje. Exige algum tempo para comentar. Ficamos logo de acordo nas primeiras linhas quanto à motivação pelo entendimento do individual :) No outro "saber" especializaram-se outras ciências. Não partilho inteiramente da imensidão que a minha caríssima colega atribui ao que gosto de chamar a "alma humana". Há livros abertos... escancarados diria..
Volto amanhã para conversar. Vou agora dar os parabéns ao ilustre poeta e a seguir dormir já está a ser outro dia.
Boa reflexão, deixo dito, mesmo sem acordo integral.