segunda-feira, 23 de abril de 2012

ATÉ AO DIA 25 DE ABRIL DAREI A VOZ A OUTROS

 

POR José Alexandre Rodrigues Henriques O ANTES E O DEPOIS DE 25 DE ABRIL DE 1974



Nasci em 1955, o que equivale a dizer que vivi 19 anos no regime ditatorial do Estado Novo, tempo mais do que suficiente para sentir os efeitos da opressão e do despotismo exorbitante que era exercido pelos órgãos do poder e pelas classes sociais mais favorecidas, sobre os mais pobres e desprotegidos. A injustiça social começava logo pela impossibilidade dos jovens oriundos de famílias pobres poderem estudar para além da 4ª classe, pois não existiam apoios para que isso pudesse acontecer. Assim apenas alguns, nem sempre os mais inteligentes, podiam aspirar a frequentar um curso superior, sendo cerceada essa hipótese a outros, com boas aptidões, apenas porque não tinham tido a sorte de terem sido postos no mundo por progenitores ricos. Isto mesmo foi o que se passou comigo, que apenas pude estudar até à 4ª classe, tendo que iniciar a vida de trabalho aos 10 anos. Não quero dizer com isto que tivesse uma inteligência invulgar o que possuísse fortes aptidões para os estudos, creio até que não tinha e, a prová-lo, está o facto de só ter conseguido a obtenção do 12º ano há cerca de um ano atrás; apenas me refiro ao que de facto aconteceu, que era afinal o que se passava com a maioria dos jovens, na altura. No entanto conheço algumas pessoas, mais ou menos da minha idade, que concluíram licenciaturas em regime de trabalhadores estudantes, começando a exercer tardiamente a sua profissão, tendo havido assim um desaproveitamento de talentos que, de algum modo, terá prejudicado o país.

Embora já existisse alguma legislação sobre matéria laboral, ela era manifestamente insuficiente para proteger os trabalhadores do autoritarismo de alguns patrões que, visando apenas o lucro, admitiam e despediam trabalhadores a seu bel-prazer, fazendo-se aqui notar a ausência de sindicatos livres, apesar de eles já existirem, o que era comprovado pela quota sindical descontada nos salários. Assim era frequente o despedimento individual e colectivo de trabalhadores sem que fosse efectuada qualquer negociação ou pagamento de indemnizações e sem direito ao recebimento de subsídio de desemprego. Felizmente naquela altura (refiro-me ao período entre 1965 e 1974), as ofertas de emprego eram maiores do que actualmente, o que era devido, em parte, ao facto dos meios técnicos de produção não estarem ainda amplamente desenvolvidos e haver necessidade de muita mão-de-obra humana. A atestar isto mesmo está o facto de, neste período, ter sido impedida de se instalar em Miranda do Corvo, uma empresa que ali pretendia construir uma fábrica para produzir produtos para construção, a que os empregadores do concelho se opuseram com receio de falta de trabalhadores para as suas indústrias.

Outra condicionante económica das pessoas mais pobres era o facto do comércio ser muito restrito, existindo pouca concorrência, o que no caso da aquisição de bens essências se tornava problemático devido à impossibilidade de escolha, existindo por isso uma sujeição aos preços praticados pelas mercearias, ao contrário do que hoje acontece com a imensidão de grandes superfícies comerciais o que impede, de algum modo, o inflacionamento dos preços.

Nesta altura não existia liberdade de imprensa, sendo camufladas muitas noticias que diziam respeito às lutas dos trabalhadores e também a desastres ocorridos na guerra do Ultramar, sendo ocultado ou diminuído o número das baixas sofridas pelos nossas tropas, para não ferir ainda mais a imagem do governo, originando assim a existência de altos níveis de ignorância sobre a verdadeira realidade do país.

Embarque de tropas para África
Mas o facto mais marcante deste período foi, sem dúvida, a guerra colonial que teve o seu início em 1961 e se prolongou até 1974. Na vida dos jovens estava sempre presente a obrigação do cumprimento do serviço militar, o que condicionava os seus planos para o futuro, existindo por isso uma incerteza e uma angustia permanente dos pais sobre o futuro dos seus filhos, existindo, por isso, o desejo de que essa guerra terminasse o mais rapidamente possível. Não foi de estranhar, portanto, a enorme alegria sentida pelo povo quando soube das acções desencadeadas pelas Forças Armadas, para pôr fim ao regime opressivo do Estado Novo, que possibilitou o inicio das negociações com os Partidos Africanos de Libertação, para o fim das hostilidades, com vista à sua independência.

Esperava-se muito da revolução. O povo queria, com todo o direito, melhores condições de vida e um futuro melhor para os seus filhos e por isso aderiu de alma e coração aos ideais do Movimento das Forças Armadas, na esperança de que com novas pessoas e outro sistema político as coisas evoluíssem no sentido de serem criadas novas oportunidades, de uma mais justa distribuição da riqueza e, sobretudo, que fosse posto fim ao conflito ultramarino.

Cartaz publicitário dos S.U.V.
Os meses que se seguiram à revolução foram de alguma confusão e anarquia, principalmente no seio das próprias Forças Armadas, onde durante algum tempo grassou alguma indisciplina, tendo sido criado um movimento clandestino que apelava à união dos soldados e de todos os trabalhadores para prepararem condições com vista à destruição do Exército burguês e a criação do braço armado do poder dos trabalhadores: O Exército Popular Revolucionário. Este movimento denominava-se S.U.V. Soldados Unidos Vencerão e, eu próprio, cheguei a deslocar-me a Évora para participar numa manifestação promovida por este movimento. Este período conturbado teve o seu apogeu no «verão quente» de 1975, terminando com o golpe contra-revolucionário de Novembro de 1975.

Foi um período épico, com amplas massas populares a tomarem em mão a construção dum futuro melhor, no qual, então, acreditavam. Período épico e alucinante, com um ritmo desenfreado de acontecimentos naquele «verão quente»: ocupação de casas vagas, nacionalizações, “caso República” (19 de Maio), Lei do Divórcio, «caso Rádio Renascença» (25 de Maio), prisão de elementos do MRPP (28 de Maio), independência das antigas colónias africanas, fuga de vários elementos da PIDE-DGS, da cadeia de Alcoentre (30 de Junho), assaltos e massiva destruição de sedes dos partidos de esquerda no Norte; ameaça separatista nos Açores; famoso discurso de Vasco Gonçalves (em Almada, a 18 de Agosto), pronunciamento de Tancos contra Vasco Gonçalves (2 de Setembro), desvio de 1000 espingardas automáticas G3 do Depósito Militar de Beirolas (10 de Setembro), posse do VI Governo Provisório, chefiado pelo almirante Pinheiro de Azevedo (19 de Setembro), assalto e destruição da embaixada de Espanha (27 de Setembro), 50 feridos nos confrontos junto ao Regimento de Artilharia da Serra do Pilar, no Porto (8 de Outubro), grande debate entre Mário Soares e Álvaro Cunhal na RTP, com o célebre «olhe que não, olhe que não!» (6 de Novembro), ataque à bomba contra os emissores da Rádio Renascença, ordenado pelo Governo (7 de Novembro), famosa manifestação pró-governo no Terreiro do Paço, com o deflagrar de granadas de fumo, dando origem à celebre frase do primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo: «o povo é sereno. É só fumaça» (9 de Novembro), manifestação de trabalhadores da construção civil junto à Assembleia Constituinte e Palácio de S. Bento, com vaias ao primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, o qual retorquiu com o contundente «vão à bardamerda» (12 de Novembro), o Governo entra em greve e suspende o exercício da sua actividade, acto inédito no mundo (20 de Novembro).

Assembleia Constituinte
De facto foram tempos difíceis para o país e a mudança para melhor, tão esperada pelo o povo, tardava em chegar. Mas o país tinha imensos problemas para resolver e não se podia esperar que fossem resolvidos de um dia para o outro. Estava em elaboração uma nova constituição para a República Portuguesa, tendo sido realizadas, em 25 de Abril de 1975, eleições por sufrágio directo e universal, para formar uma assembleia parlamentar que foi designada de Assembleia Constituinte, que teria a seu cargo a missão de elaborar, discutir e aprovar as leis fundamentais por que o país se iria reger. A nova Constituição foi concluída em 31 de Março de 1976, tendo sido aprovada em votação final global em 2 de Abril.

Nesta altura já tinham regressado muitos soldados portugueses das províncias ultramarinas, no entanto, em Angola, apesar da proclamação da sua independência ter ocorrido em 11 de Novembro de 1975 e, devido à sua complexidade especifica, derivada da existência de três partidos de libertação, que não se entendiam, ainda por lá se mantiveram algumas tropas, estando lá, precisamente nesta altura, o meu irmão mais velho, que prestou serviço militar em Cabinda e que para lá foi destacado já após a revolução. De resto Angola após a independência passou a viver uma nova guerra que praticamente só terminou em 2002, com a morte de Jonas Savimbi líder da UNITA, um dos três movimentos de libertação.

"Retornados" livro de António Trabulo
Mas Portugal tinha outro problema em mãos, que era o regresso dos portugueses de África, os denominados “retornados”, que chegavam em massa a Portugal; muitos deles tinham deixado todos os seus haveres em África e era por isso necessária uma intervenção activa com vista à sua integração. O regresso destes portugueses, feito em condições tão adversas, terá sido motivado pela descolonização um pouco apressada que foi feita, sem que tivessem sido acautelados alguns dos seus direitos. No entanto, apesar das dificuldades, acho que foi feita uma óptima integração destas pessoas e, passado algum tempo, já a maioria tinha a sua vida novamente organizada, pois eram pessoas habituadas a lutar, que não se deixaram vencer por estas contrariedades.

Passado este período muito difícil da vida do país, as coisas começaram lentamente a melhorar tendo até, na década de 80, havido algum desenvolvimento e, consequentemente, um aumento de postos de trabalho e uma melhoria das condições de vida dos portugueses. Em 12 de Junho de 1985 é assinado o tratado de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, tendo vindo para o país elevados fundos destinados a ajudar o desenvolvimento e a estimular a economia, com a formação de novas empresas. Infelizmente muitos desses fundos não foram bem geridos e terá havido uma utilização menos própria desse dinheiro, por alguns sectores empresariais, o que terá impedido um maior desenvolvimento do país nos anos seguintes à adesão. No entanto, até finais da década de 90 e do século XX assistiu-se a uma significativa melhoria das condições de vida dos trabalhadores, com o aumento dos salários e uma maior estabilidade no emprego.

Infelizmente a partir do inicio do novo século, coincidente com a adesão de Portugal à moeda única europeia, houve um regredir da situação, talvez derivado de má gestão e políticas erradas de alguns governos, o que faz com que actualmente, os trabalhadores e o povo em geral, se vejam confrontados com a deterioração dos rendimentos provenientes do seu trabalho, agravada com o aumento constante do desemprego e da precariedade no trabalho, com medidas impostas aos trabalhadores, principalmente na Administração Pública, completamente injustas que agravam, sobretudo, as condições dos trabalhadores mais novos, que se vêm impedidos de subir nas carreiras, auferindo salários bastante mais baixos, o que configura uma situação de violação dos direitos humanos, cuja Declaração Universal diz no seu artigo 23º que “todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual”.

Neste novo século, as tecnologias de informação e comunicação têm tido uma enorme evolução e, o governo actual, tem estado a investir fortemente em equipamentos informáticos, tentando também aumentar as qualificações dos portugueses através do programa «novas oportunidades», dando assim seguimento ao seu plano tecnológico.

Em resumo, a vida no país após a revolução, comparativamente ao período de 1960 a 1974, caracterizou-se essencialmente pela vivência e participação democrática do povo, com a realização de eleições livres para os diferentes órgãos de poder e pela liberdade de imprensa e opinião, no respeito pelas diferenças e pelas conquistas alcançadas pelos trabalhadores como: o direito à greve, a implementação do salário mínimo nacional, o direito ao subsídio de desemprego, o direito a férias e respectivo subsídio, protecção do emprego, a universalização do direito à segurança social e à saúde.

Actualmente fala-se muito em crise. Este termo está a ser utilizado para uma maior precariedade e despedimento de muitos trabalhadores, fazendo aumentar o sentimento de mal-estar e revolta das classes mais desfavorecidas. É certo que a crise existe e está perfeitamente instalada no nosso país, no entanto era tão fácil diminuir os seus efeitos e diminuir as injustiças sociais! Tenho ideias muito próprias a esse respeito, que não vou dizer quais são, mas que tenho a certeza que teriam sucesso se fossem implantadas. Ninguém ficaria prejudicado, pois não seria necessário abdicar de nada que fizesse falta e toda a gente se sentiria melhor. Vou levantar uma pontinha do véu e falar de uma medida que se fosse tomada beneficiaria muitos trabalhadores, sem moralmente prejudicar ninguém:

A maioria dos trabalhadores aufere durante um ano 14 meses de remuneração, equivalentes a onze meses de trabalho, um de férias, um de subsídio de férias e um mês de subsídio de Natal. A retribuição correspondente ao subsídio de férias e subsídio de Natal é igual ao ordenado dos restantes meses, descontado o respectivo subsídio de almoço. Por este motivo muitos trabalhadores com ordenados elevados, podem perfeitamente esbanjar em compras supérfluas pelo Natal o que a outros faz falta para necessidades primárias. E o subsídio de férias? Porque é que uns podem ir para as praias douradas do Havai e outros têm que procurar, no mês das suas férias, tentar encontrar mais uma ocupação para obter mais uns “tostões”, para adquirir qualquer coisa de que necessitem ou para pagar dívidas. A ideia era muito simples e facilmente se poria em prática. Bastaria para isso recorrer a alguns cálculos matemáticos, bem simples por sinal: Bastava somar um mês de ordenado de todos os trabalhadores de uma empresa ou de uma instituição. O resultado dessa soma seria dividido pelo número de trabalhadores e o resultado dessa divisão era o que corresponderia ao mês de subsídio de férias ou Natal de cada um dos trabalhadores. Era uma forma absolutamente democrática de fazer a retribuição de fundos que não correspondem a trabalho efectivo e que atenuaria algumas desigualdades. De resto isto é o que vigora em relação ao subsídio de almoço em que é atribuída uma verba igual para todos.

O presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, recentemente eleito, anunciou o congelamento dos ordenados de alguns dos seus colaboradores próximos, partindo do princípio de que devia dar um exemplo às famílias americanas afectadas pela crise. Ora aí está uma medida, que seria aplaudida pela maioria dos portugueses, se fosse adoptada pelos nossos governantes. Andam para aí muitos gestores de bancos e empresas públicas a auferirem ordenados imorais, de que é exemplo o governador do Banco de Portugal, que está sempre a falar em contenção de salários, mas que não fala em conter o seu! Na minha opinião o que faz falta ao país é uma equipa governativa com coragem para tomar as medidas certas, sem se intimidar com os arrufos dos privilegiados da nação.


Atualização em 24 de Março de 2012
Este artigo foi publicado em Maio de 2010, mas a história do pós-25 de Abril continua e, infelizmente, o que há a dizer sobre ela até este momento é muito negativa. O governo de José Sócrates tentava combater a crise implementando sucessivos pacotes de austeridade que ficaram conhecidos como PECs (Planos de Estabilidade e Crescimento). Não estava a ter sucesso nos seus intentos e a situação agravava-se de dia para dia, com o país a ter imensa dificuldade em se financiar, devido ao descrédito a que estava votado pelos mercados financeiros que cobravam juros muito altos, influenciados pelas avaliações negativas das agências de rating.


Começou a pairar no ar a ideia de que o país não ia conseguir escapar à bancarrota sem a intervenção do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia (a Troika), intervenção a que o primeiro-ministro se opunha terminantemente. O maior partido da oposição espreitava a oportunidade para ocupar o poder e tentava lançar a ideia de que a situação de crise era da exclusiva responsabilidade do governo que, no seu entender, geria o país com incompetência.
Cada vez eram mais as vozes que se faziam ouvir exigindo que o país recorresse à ajuda externa, tendo finalmente, em Abril de 2011, Sócrates se decidido pelo pedido de ajuda à Comissão Europeia, após o chumbo do seu IV Plano de Estabilidade e Crescimento.
A não aprovação do PEC IV levou à demissão de Sócrates, mas este ainda confiava que seria capaz de obter uma nova vitória eleitoral, o que não se confirmou pois o Partido Socialista foi derrotado pelo PSD nas eleições antecipadas realizadas em 5 de Junho de 2011.
Pedro Passos Coelho substituiu José Sócrates no cargo de primeiro-ministro, mas a exemplo dos governantes anteriores, quando tomou posse fez exatamente o contrário do que prometera agravando ainda mais a já periclitante situação de muitos portugueses, com o aumento de impostos, corte de ordenados e eliminação de subsídios, estes últimos penalizando sobretudo os trabalhadores da Administração Pública.
A situação tem piorado de dia para dia com o aumento do custo de vida e o encerramento de muitas empresas o que provoca um aumento exacerbado do desemprego, sem que os governantes consignam dar uma resposta efetiva a esse flagelo. A única resposta, para já, foi a sugestão do primeiro-ministro convidando à emigração, o que é de algum modo um convite ao regresso ao antes do 25 de Abril, mais precisamente aos anos 50 e 60, quando muitos portugueses procuravam no estrangeiro condições que o seu país não queria ou não lhes podia dar.
O 25 de Abril de 1974 está cada vez mais longe no tempo e na esperança. Talvez por isso muitos se interroguem sobre se esse dia valeu a pena. Outros há que acreditam que só com uma nova revolução a esperança pode ser renovada. Uma coisa é certa a História de Portugal escreve-se com intensidade.
Este trabalho foi elaborado para o Processo RVCC – nível sec.- Núcleo SABERES FUNDAMENTAIS DR 4 - Estabilidade e Mudança.


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