sábado, 21 de abril de 2012

CONFISSÕES II


Medito sobre a finalidade das coisas.
A disciplina da escrita faz-nos mudar, é uma espécie de penitencia diária, a penitência de procurar palavras.
Quando comecei a escrever, assentava num caderninho todas as palavras difíceis e quando me mandavam fazer uma redacção na escola, procurava metê-las a todas, gostava de "falar caro", como dizia o meu irmão.
Muito mais tarde, quando mostrei os primeiros escritos á minha irmã de imediato apelidada de barroca, que tinha uma escrita barroca. E eu sem saber muito bem o que isso era nem nunca me ter sido devidamente explicitado, julguei que fosse alguma coisa parecida com romances de cavalaria, brinco, mais ou menos a avançar pelas folhas em branco e a escavar-lhes vales e cavernas e a enchê-las de arranhões e montes.
Como eu gostava de escrever assim, caro,como dizia o meu irmão e barroco como dizia a minha irmã, obrigava-me a saber palavras e novos significados que agora praticamente não uso.
Após a queda e declínio desses meus "domínios", procurei outras formas, procurando palavras do dia a dia, brincando um pouco com elas. Lembro-me  por exemplo, de dizer lembranças vívidas, em  vez de lembranças vividas e por aí fora. Era uma época em que os conteúdos estavam à mercê das palavras.
E fui aprendendo novas formas, lendo outras literaturas,porque até aí só lia os livros da biblioteca do meu pai praticamente e livros que os meus familiares me davam que nunca me interessavam nada, pois eram os tais livros para a minha idade, eu que tinha lido "O Crime do Padre Amaro" aos 14 anos.
Cheguei a uma altura que quase não sabia distinguir o bom do mau, porque tal como nos vinhos, não gosto de saber o que os especialistas pensam sobre a matéria, gosto de ser eu a dar a minha opinião em primeiro lugar e ia para Feira do Livro sem referências. Não havia muito dinheiro e comprava  os mais baratos porque tinha que decidir em trazer 3/4 ou apenas um, bem sei que também ia à Biblioteca Municipal e aos alfarrabistas.
Foi uma fase em que me lembro de existir também no papel. Ninguém me lia nem eu queria, nem me lia a mim própria, andava já no Liceu Rainha Santa Isabel, mas ainda no velho, escrevia mesmo na cama, queria sempre muitas almofadas, tinha livros debaixo da cama e passava fins-de-semana inteiros metida no quarto a ler, em cima da cama e como tinha um andar praticamente para mim um sótão escrevia e escrevia.
Nem eu própria me lia, às vezes rasgava sem ler o que escrevia para que tal não acontecesse.
Achava que cada página só valia quando a virava porque havia vida atrás dela e quando tinha muitas,tinha a tarefa cumprida.
Começar de novo qualquer coisa não se afigura fácil.
Assenhorearmo-nos de outras formas e outras linguagens leva o seu tempo, dizia um querido amigo, que era como se estivessemos a tomar posse delas,agora passavam a ser nossas também.
As palavras adoptam-nos e nós adoptámo-las, fazem-nos conhecer melhor.
Quando, actualmente, me sento aqui,de manhã, para escolher  o tema que vou escrever e escolho primeiro o título, tal como nas redacções da minha infância, acontece muitas das vezes que escolho um e há outro a querer insinuar-se, a querer sobrepor-se àquele e por vezes,é esse que fica em detrimento do pensado anteriormente.
Como toda a gente sabe, há palavras que nos fazem tristes e outras que nos dispõem bem, com a poesia isso é claríssimo.
Se escrevo mau humor, lembro-me duma série de situações não agradáveis, se escrevo bom humor acontecer-me-á o contrário.
Há palavras que se afastam de nós, que nos abandonam que nos deixam náufragos, há outras que pululam e saltaricam à nossa volta. Há as que nos reprimem e aquelas que nos fazem pensar.
Lembro-me duma palavra, talvez aquela  com que eu me deparei pela primeira vez a esclarecer o pensamento e que foi a palavra retirar. Já foi há uns anos. Não sei porquê, mas andei com a palavra atrás de mim durante quase um dia. Nessa altura lia antes de sair de casa e depois só quando regressava, já quase à noite, retomava  a leitura e pensava ao longo do dia: "mas retirou-se para onde, para bem longe ou para dentro de si própria?"
Há palavras que eu perdi e outras que se perderam de  mim.
Amo as palavras que me libertam e me fazem pensar e não me perguntam nada e me aconchegam e me compreendem e me acompanham.
Há palavras que me amarram e outras que me arejam, há aquelas que me dizem ao ouvido: podes pensar  à vontade estamos aqui contigo", a essas já lhes disse que queria  arranjar um estilo meu, um estilo próprio e até já me sugeriram  a não pensar em escrever previamente o título, que fosse escrevendo, escrevendo, sem título e sem medo, podia ser que acontecesse um dia. Vamos lá ver se têm razão... um dia... sem medos.

2 comentários:

lua vagabunda disse...

deve ser isso ser escritor. Pensar as palavras, jogar com elas e soltá-las no papel qdo saem do pensamento.

Nunca serei escritora. Não sei pensar nas palavras. Ou saem assim mesmo do sentir ou então ficam embrulhadinhas na cabeça ou no coração ou lá no que é que sente...

Talvez por isso seja uma amante da poesia. Mas tb não sei se os poetas escrevem o que sentem ou o que fica melhor na escrita.

Gosto das tuas palavras. E da tua escrita.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Não sei o que é ser escritora, mas acho que é mesmo uma questão de talento e também muito trabalho. Não me importo de ter trabalho, o pior mesmo está na falta de talento, por isso lá vou escrevinhando qq coisita para dar gosto ao dedo e ao pensamento que fica bem mais organizadinho. Ob Manela