segunda-feira, 30 de abril de 2012

O POVO

Falam todos ao mesmo tempo. Nenhum se importa com o que diz o outro.
Será que já acordamos por completo? Acho que não. Parecemos sufocados por um pesadelo.
Das últimas eleições, muitos julgaram que dera lugar a uma trégua e que esta ia reinar entre os ribeiros do sonho. Agora continuam a meditar sobre as armadilhas que o destino tece.
Têm uma longa série de projectos por cumprir. (é melhor desde já, explicar que uma vezes penso no plural as pessoas, muitas pessoas, a maioria das pessoas outras, no singular, no povo, como entidade abstracta que só se concretiza em cada um de nós. Vou deixar fluir o texto assim pensado, sem qualquer tipo de arranjo, para futuramente  melhor analisar a estrutura de pensamento que lhe esteve subjacente em cada momento, já que era assim que fazia quando ainda não publicava aqui).
Olhou para o espelho e viu que em breve envelheceu muito e até o cabelo tinha ficado com a cor da tempestade. Começa a ver que tem governantes mentirosos e ignorantes que o entretém com conversa sempre igual.
Ultimamente tem andado a flutuar docemente pelo espaço, aturdido por tudo, rodeado por um horizonte cheio de miragens e é preciso não esquecer que vinha do país do diabo, habituado a submeter-se às regras, mas na 3ª parte do tempo, entraremos dentro em breve, começará a fazer os seus "estragos".
Não se pode viver eternamente nesta crise, neste cinzento.
O povo sentia-se à beira da queda e em breve faltar-lhe-ia as forças. Era a fase das reclamações.
Já era altura para estarem a florir, por isso votaram nestes, mas pressentem que a sorte lhes tinha virado as costas.
Este interim, em que pensaram que isso se ia verificar mas que não se verificou, tinha que terminar.
O povo gosta de dormir, mas anda com dificuldade em adormecer, na realidade só fecha os olhos e afunda-se até ao pescoço, mas essas eram as brincadeiras de outros tempos, as da areia molhada, não agora, o tempo todo. Estava decepcionado. Este Portugal seu, colorido, cheio de sol, de repente começara a ficar tenebroso e obscuro e incapaz de reter uma pessoa decente.
Sempre lhe tinham feito crer que eram os anteriores governos que tinham governado mal, mas então e este, este que faz mais ainda do que a troika manda fazer e não se percebe porquê. Este que quer empobrecer o país ao fim da força, que tira tudo ao povo, menos aos filhos deles, este que mente descaradamente e que nos vende quase de graça ao estrangeiro, que pensar, que fazer duma coisa assim?
Está farto de se queixar. Começa a ser mortal.
Os portugueses costumam estar ausentes de si mesmos por longos períodos da História, assim aconteceu durante quatro décadas e continuam a estar ausentes, indo votar apenas porque é sua obrigação, o seu acto cívico e "revolucionário", começa e termina aí a sua participação.
A maioria de nós integra tudo, sem grandes problemas de consciência.
Tivemos 500 anos de existência imperial e parece sempre que separamos o facto de sermos donos reais em terras longínquas do que somos no nosso rectângulo.
Os holandeses e os ingleses tornaram-se outros nas suas aventuras imperiais, nós tornamo-nos nos MESMOS.
Vejo perfis Salazaristas a ressurgir. É urgente  uma vaga de fundo que nos liberte da crise, não da económica, mas a das atitudes, a das consciências.
Precisamos urgentemente de nos libertar daquele sentimento de fragilidade que é o desejo de querer fazer boa figura, de estarmos sempre a representar, ainda ontem se observou no funeral dum deputado da Nação e irmão dum Ministro, aquela vontade de exibição que toca as raias da paranóia; exibição trágica, não a desinibida, que é a característica das sociedades em que o abismo entre o que se é e o que se deve parecer não atinge este grau patológico.
Como diria Eduardo Lourenço é "um erro funesto" ter deixado os valores de "pátria", "patriotismo", "sentimento nacional" para a direita.
Não é só a ideologia que faz com que triunfe uma revolução, mas também a afectividade.

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4 comentários:

Helena disse...

Que bem que escreves, quando deixas fluir!
Que bem que escreves sempre.

Esta não será a nossa primeira discordância, nem seguramente será a última, ou não fôssemos nós as tais Helenas, que vivem sem "cadenas" e que não nos miramos nas outras tais de Atenas...

Na verdade, e já o expliquei (mais ou menos) no Fb e no blog, não penso que a forma encontrada para evocar o Miguel seja criticável.
E não o é, em minha opinião, porque não tenha havido algumas manifestações de egos grandes. Nada disso! Não o é porque uma evocação de uma pessoa como o Miguel Portas atrairia, em qualquer circunstância, muitas manifestações de egos maiores do que o pensamento, fazendo-se passar por amigos maiores do que o dito pensamento.
Repara bem nas circunstâncias de uma família, com tantos elementos conhecidos publicamente e tantas divergências, igualmente públicas, a separarem-nas. E junta a isso os camaradas do bloco e suas tendências. E ainda mais os tantos amigos de origens e "localizações" tão díspares.
O Miguel sabia que a sua morte poderia ser um campo de batalha. E evitou que o fosse! Escolheu a forma privada de funeral, escolheu o local para "reunir amigos e familiares", escolheu quem, dentre eles, diria alguma coisa "se houvesse algo a dizer". E escolheu a forma pública de o lembrar e começar a fazer o luto: sem pieguices e com os "olhos enxutos" (frase de Paulo Portas - única vez, se calhar, em que concordamos...)
Isto é, na sua morte o Miguel teve o cuidado de prevenir tensões, desdramatizar e reunir pessoas que dificilmente se entenderiam entre si.
Tão só.
Demasiado público tudo? Tinha que o ser!
Deixa-me só dizer, para terminar, que assisti já a vários funerais, em que a luta e o jogo do empurra à volta do caixão foi macabro, em que se disputaram 'palavras de ordem' e em que bandeiras são colocadas e tiradas, sucessivamente, do mesmo caixão.
É muito mau!
A evocação do Miguel não o foi.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Não vejo assim, mas quem sabe, pode ser mesmo assim e depois o morto tem sempre razão.
Tenho muita, mas muita pena que ele morresse, mas não gostei do espectáculo. Se ele pensou assim, era mesmo muito romântico, não consigo atingir tão elevado grau de romantismo. Obrigada por te teres dado a este trabalho de me fazeres ver um "outro lado" da questão.Bj

lua vagabunda disse...

Pois.
Eu já disse o que pensava no facebook. E não me apetece mesmo continuar este debate (?).

Deste texto gostei imenso e subscrevo a H. Dias. Que bem que escreves.

Só que nunca percebi o que é isso de patriotismos e de valores da pátria e esse tipo de coisas. Mas o defeito deve ser mesmo meu que sou uma desnaturada...

Beijos para ambas as meninas.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

ob desnaturada. dorme bem holandesa da rainha