sexta-feira, 13 de abril de 2012

O GRANDE DESAFIO


Este fenómeno do futebol a que assistimos a engrossar todos os dias, nas cabeças da maioria dos homens e algumas mulheres, é uma coisa que me faz pensar.
Já sei que movimenta milhões, já sei que gere paixões, mas ontem estava no café e vi a quantidade de homens que lia jornais desportivos e pensei que estes leitores fanáticos, são-no porque nessas páginas (os outros jornais também têm páginas desportivas) se fala sempre de vencedores e perdedores.
Não há nada melhor do que isto, esta arrogância é como desenterrar nobrezas na família.
Entro no carro e ligo a Antena Um, azar dos azares, eram 16,30h, às meias horas jornal de desporto anunciam, cerca de mais 20 m/meia hora de futebol. Em vez de desligar deixo ficar ali, naquele massacre, afinal é um entre vários e, quero perceber. O locutor despeja as "notícias" sobre o tema, de forma apressada, a correr mesmo, percebo que teriam muito mais para dizer se mais tempo tivessem para o fazer.
E o meu pensamento volta à tentativa de compreensão do que me rodeia, neste caso, o magnetismo obstinado que as pessoas sentem, especialmente os homens, por estas notícias e até acho compreensível e então parece que começo a compreender que nestas conversas de futebol, está tudo.
Os clubistas ou adeptos de um qualquer clube, não só têm o seu grupo de pertença que é absolutamente fundamental para qualquer ser humano saber onde pertence, como também ficam a saber porque pertencem e, desta vez precisei apenas de alguns segundos para mover o rato do meu computador mental e ver a importância que tinham esses debates na televisão, todos os canais os exibem. São sempre políticos do espectro político do poder, os convidados; jornalistas que emitem opiniões, médicos, autarcas e etecéteras, mas o que interessa mesmo é que produzam um bom espectáculo de "peixeirada".
Nos seus sofás, os OUTROS, as claques caseiras destas equipas "em jogo", aplaudem com entusiasmo ou falam sozinhos, insultando aquele(s) com os quais não concordam e assim passam 2 horas do seu dia, contentes e satisfeitos, lavados de todos os males do mundo, porque aqui nestes "campos" há sempre um ganhador e um perdedor, além da auto-sugestão que se verifica.
À noite assisti, com curiosidade, do princípio ao fim, a um debate destes na TV (o que é preciso é espírito aberto e disponibilidade e eu tenho-o, não se riam, é verdade, é só fazer um esforço e torna-se muito fácil) e então vi como é que,  quem engrandece desmedidamente um pequenino feito mostra que sente a  nobreza de empreender grandes feitos. Assim, os fãs, aqueles que ficam no sofá ou mesmo se deslocam aos estádios para fazerem parte do grupo, sentem mais confiança em si mesmos e proclamam o seu valor quando a sua equipa ganha e logo possuem a perfeita arte de viver e lembro Mefistófeles a pregar a Goethe: "Tem a confiança em ti proclama o teu valor e logo possuirás a perfeita arte de viver" (penso que foi isto que disse) e que vale tanto para o futebol, como para a política, como  para qualquer empregozito nem que seja mixuruca.
Os psicólogos ou os que se fazem passar por tal, não acrescentam que a proclamação do novo mérito é um exercício excelente para aumentar e mesmo para adquirir efectivamente esse mérito?
Continuo a assistir ao debate televisivo e percebo que os adeptos dum clube, os clubistas, fazem logo 3 revoluções em vez duma.
- Derrubam os clubes adversários, só pelo prazer de o derrubar e exercer a força demagógica.
- Proclamam numa noite a libertação do clube, colocado em 3º, 2º ou mesmo 4ª posição no campeonato, mandando uma claque de desafio ao clube adversário.
- Penetram, em conjunto, nos segredos dos clubes, agora chamados SAD(es) para intimar e revelar os seus segredos.
E  assim esquecem depressa a vida malévola, as contas a pagar, tudo o que é sério verdadeiramente, entregando-se àquele desalinho em que as palavras surgem e se empurram mal-educadas, mais levantadas no calor da guerrilha do que o prazer da significação.
Acresce ainda que os tempos virados do avesso como estão não servem para cenas de prestígio social e, as mesas redondas, ovais ou até rectangulares que os patrões da comunicação social proporcionam, vêm suprir esse desejo em cada um dos seguidores desses tão esquentados programas.
Os adeptos podem verificar "ao vivo e a cores" que senhores "tão finos" podem perder as estribeiras mesmo em público, que são viciosos e até podem mesmo ser chorosos se o seu clube perde, afinal são igualzinhos a todos os outros, e é desta forma que se adiantam para dentro de si mesmos.
Estes tempos preciosos em que as pessoas podiam gastar a ler, manda o capital, dono das empresas de comunicação social NÃO LIVRES (o mesmo que compra os partidos do poder), canalizar e orientar as revoltas de batalhões de homens e também mulheres "guerreiros(as)/clubistas" assistir conversando, com zangas à mistura  desfazendo-lhes solidões, desviando revoltas, intoxicando-os de ideais parecidos com a bebida.
Estratégias agora reforçadas, mas de há muito, testadas com belos resultados.
Os espectadores saem destas lutas esgotados, mas satisfeitos. Enquanto isso, as mulheres vêem telenovelas, umas atrás das outras porque estão cansadas de não acreditar naquilo que lhes chega por via dos ecrãs, portanto mais vale a ficção, pois nada gasta mais um sistema nervoso do que o ininterrupto alarme da razão.
A velha questão do território também aparece nestes debates.
Estes movimentos de cardumes, de grupos de pertença em que cada um sorri e faz o seu discurso desobrigado de explicitação, exerce sobre os seus aderentes uma espécie de poder, aquele poder para vencer indiferenças.
Assim, se foge aos pensamentos que mais incomodam e se entra no sonho da sua equipa vir a ganhar, apesar de tudo e de todos, sem falências de energia, porque os contentores foram outros.

2 comentários:

lua vagabunda disse...

Que maravilha!
Mais um "naco de prosa" magnífico!

Adorei.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Bondade tua. Desta vez até acho que não saíu grande coisa, mas...
há necessidade de dizer o que vai cá dentro. Bj amigo